segunda-feira, 29 de abril de 2013

Conto - Um Roteiro de Cinema


                                           

                                            Eric do Vale

Tava queimando na estrada
Ao sol do meio-dia
E, de repente, o rádio tocou
Cena de cinema
(Lobão, Bernardo Vilhena & Marina Lima: Cena de Cinema)


Emprestei o cartão de crédito para alguém daqui de casa que, por sua vez, delegou a outra pessoa, também aqui de casa, a tarefa de sacar o dinheiro no banco. Depois veio me pedir de volta, então perguntei:
- Mas não está com você?
-De jeito nenhum, eu te devolvi!
-Nada disso!
Por via das duvidas, fui procurá-lo nas minhas coisas, mas não encontrei. A busca frenética pelos cômodos do apartamento encerrou-se quando concluí que na falta de um responsável, o cartão “tomou Doril”.

Solicitei a segunda via que ficou de chegar a minha residência dentro de quinze á vinte dias. Estranhei o fato dele não ter vindo no décimo quinto dia. Como estava dentro do prazo, aguardei por mais quatro dias. Com freqüência, eu perguntava ao porteiro:
-Não veio nada pra mim?
-Não senhor.
 Esse interrogatório só teve fim quando resolvi ir à agência a fim de saber o que havia acontecido.

Visto que no dia seguinte os bancos entrariam em greve, saí, pontualmente, de casa rumo ao shopping, onde fica a agência. Expliquei a situação ao caixa que me sugeriu procurar os correios. Seguindo conselho dele, soube que o cartão estava numa dependência próxima a minha casa, porque o carteiro não conseguiu encontrar o numero. Lá chegando, fui informado de que ele havia sido devolvido ao banco. Nesse momento, eu quis incorporar o personagem do Michael Douglas, no filme Um dia de Fúria, e não cessava em dizer: “Quem deveria passar por isso era o filho de uma égua que perdeu o cartão!”.

Regressei ao shopping, narrei tudo ao gerente que confirmou os meus dados e detectou um erro no número da casa. Provavelmente, isso foi a causa dessa via crucis. Mesmo assim, afirmou que o cartão não estava no banco e aconselhou-me a pedir informações nos correios. Fui até lá, propenso a ter um colapso, e contei tudo à atendente que indagou:
-Se incomoda de eu resolver isso depois? É que está na hora do almoço...
-De jeito nenhum. A propósito, você não é daqui?
-Não, sou de São Paulo.
 Logo vi: loirinha, pele alva e com um jeito diferente de falar! Quando ela saiu para almoçar, eu fiz o mesmo e bati perna pelo shopping.

É incrível como um detalhe pode mudar tudo. Instantes atrás, eu me encontrava praguejando aquela situação e depois passei a enxergá-la com resiliência: “Eu tinha que perder o cartão... tinha que passar por isso! Nada é por acaso!”. E não parava de pensar nela: “Eu deveria tê-la convidado pra almoçar, mas deixa estar...”. Mesmo disposto em investir, procurava colocar os pés no chão: “Devagar homem, você não sabe se ela tem algum compromisso. Vá com calma!”.

Quando ela voltou, eu estava sentado num banco em frente do correio. Fazendo um gesto para que eu a acompanhasse, disse-me:
-Pode me aguardar um instante, por favor?
Não tardou dez minutos e ela voltou com um papel na mão dizendo:
-Seu Maurício, o seu cartão foi devolvido ao banco na sexta-feira, às 15h30min...
-Muito obrigado! Vou resolver isso agora mesmo.
-Boa sorte!
Peguei o papel e saí em disparada pensando: “Agora eu quero ver... qual será a desculpa?”. Fui em direção à mesa do gerente, mostrei as informações no papel e repeti tudo o que ela tinha me dito. Ele se levantou e, pouco tempo depois, entregou-me o cartão.

Solucionado o problema, rumei para o correio com o pretexto de agradecer a ela a atenção que teve comigo. Contei dos perrengues que atravessei com esse cartão e ela comentou:
-Você teve muita sorte, porque os bancos saem de greve amanhã.
-Eu sei disso. E veja como são as coisas, quando saí daqui você me desejou sorte e Deus te ouviu.
O diálogo foi emendado até o momento em que ela falou que veio morar em Fortaleza por causa do seu marido que é cearense. 






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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Soneto - Soneto da Esperança




Eric do Vale


A venalidade permite com que a vida seja dura.
Assim mesmo, busco não sucumbir à amargura,
crendo num remédio que cure tanta adversidade
que insistentemente tende a impregnar a humanidade.

Não há motivo para esmorecer com coisas insignificantes,
sem enxergar um amanhã repleto de opções,
levam-me a crer o quão à vida é importante,
dando um paço rumo as nossas realizações.

Se o mundo é feio e sem coração, eu não faço parte dele
compadeço daqueles que me julgam  um D. Quixote,
porque não compactuou com o pessimismo.
  
Ao contrário do que muitos, erroneamente, pensam
a felicidade da qual tanto  todos nós perseguimos
encontra-se bem próximo do que pensamos.



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domingo, 21 de abril de 2013

Conto - O Zoológico


 

  Eric do Vale





Um grande circo com inúmeras pessoas

 e animais e aparatos que se ajustam

                                                                 e se completam uns aos outros pode arranjar utilidade para todos a qualquer hora.  
(Franz Kafka: Um Artista da Fome)









Josué classificou como um zoológico o setor onde Zé Mário trabalha. Todos estavam de acordo até o próprio Zé Mário, apesar de ninguém, naquela mesa de bar, ter-se pronunciado. Impossível em não discordar, a quantidade de figuras exóticas que constituem aquele departamento é mesmo digna de um zoológico ou circo ambulante.

Caracterizado por uma sisuda expressão facial, o Maestro encabeça a trupe, locomovendo-se, diariamente, a passos largos, rumo a sua sala sem cumprimentar ninguém. Com os pés sobre a mesa, ele acompanha o andamento da “orquestra” através de uma janela de vidro, mas a sua batuta não se restringe somente àquele setor. Abaixo do diretor- presidente, ele é o baluarte da instituição. Logo que Zé Mário entrou na sua sala e disse que um funcionário estava pedindo um reembolso de três meses atrás, o Maestro indagou:
-Por acaso, esse funcionário é novato?
-Não, já trabalha aqui há mais de dois anos.
-Se fudeu.
 Isso foi o de menos, perto da vez em que saiu de sua sala falando, aos gritos, no celular uma sinfonia de palavrões. Percebendo a burrada que fez, imediatamente desculpou-se em público sem fazer ideia de que todos ali já estavam habituados com os seus constantes arroubos, razão pela qual o torna mais temido do que respeitado pelos seus colaboradores.

Só mesmo Jandira para demonstrar algum afeto pelo Maestro. Sempre que há uma confraternização, ela faz questão de pegar alguns doces e salgados e levar para ele, que, por sua vez, nem agradece. Homem nenhum sucumbiria os seus caprichos, levando em conta a sua meiguice e beleza. Didi que o diga, vestindo uma camisa colada e ostentando o seu corpo bem cuidado para a ala feminina da empresa, ele faz às vezes de conquistador barato. Não há um só dia em que Didi deixe de falar de suas conquistas amorosas para os seus colegas de trampo, mas todos estão cientes de que ele não passa de uma mosca de padaria fantasiado de gogo boy.

Morcego,ao contrário de muitos, vara noite adentro no escritório e só chega ao batente na hora do almoço. Não seria nenhum espanto se na sua árvore genealógica apontasse algum parentesco com o Conde Drácula. Além de ser o decano, Coruja alcançou a proeza de tornar-se o primeiro funcionário contratado antes mesmo de a firma ser inaugurada. Conhecendo como ninguém os trâmites da casa, especialmente daquele departamento, ele é o braço direito de Diana que faz jus ao nome da deusa da caça e está sempre de tocaia, aguardando o momento oportuno para pegar os seus subalternos, quando derem um passo em falso.

Outro time que compõe o zoológico é gerenciado pelo Bicho Preguiça que não se levanta de sua cadeira nem pra ir ao banheiro. Se alguém depender de sua ajuda, tem que esperar sentado. O seu auxiliar até que tem boa vontade, embora seja muito vagaroso porque vive com a cabeça nas nuvens e é conhecido como Tonho da Lua por causa de sua aparência física. Aquiles tem a incumbência de honrar essa equipe desdobrando-se para atender às demandas que não cessam de chegar e ainda tem que ter saco para aturar uma dupla que não tá no gibi: Vera Fischer, como é conhecida, está sempre bem arrumada e com uma expressão altiva, misto de ar de primeira-dama com cara de fome, e Iracema porta-se da mesma forma que a sua parceira, achando-se a Beyonce do Pará.

História é o que não falta para quebrar a rotina do trabalho, como da vez em que se pensou que um gambá fosse o mais novo integrante do zoológico devido ao mau cheiro que impregnou o escritório, mas tal hipótese logo foi descartada, porque todos se deram conta de que o fedor vinha da mesa do Tonho da Lua.  A descoberta de um rato morto debaixo de sua escrivaninha assemelhava-se ao primeiro parágrafo do segundo capítulo de A Peste, do Albert Camus, o que não impediu que o pobre rapaz, por um triz, não tivesse sua alcunha alterada para Gambá.

Recentemente, correu a noticia de que três espécies entraram em extinção, houve quem dissesse que eles foram libertados do zoológico e agora estão por aí a solta. Chega a ser inimaginável pensar no zoológico sem a presença de uma das figuras, destacadas nesse texto, em função da sinergia que um complementa outro.

  




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