Eric do Vale
Um grande circo com inúmeras pessoas
e animais e aparatos que se ajustam
e se completam uns aos outros pode arranjar utilidade para todos a
qualquer hora.
(Franz Kafka: Um Artista da Fome)
(Franz Kafka: Um Artista da Fome)
Josué classificou como um zoológico o setor
onde Zé Mário trabalha. Todos estavam de acordo até o próprio Zé Mário, apesar de
ninguém, naquela mesa de bar, ter-se pronunciado. Impossível em não discordar,
a quantidade de figuras exóticas que constituem aquele departamento é mesmo
digna de um zoológico ou circo ambulante.
Caracterizado por uma sisuda expressão
facial, o Maestro encabeça a trupe, locomovendo-se, diariamente, a passos
largos, rumo a sua sala sem cumprimentar ninguém. Com os pés sobre a mesa, ele
acompanha o andamento da “orquestra” através de uma janela de vidro, mas a sua
batuta não se restringe somente àquele setor. Abaixo do diretor- presidente,
ele é o baluarte da instituição. Logo que Zé Mário entrou na sua sala e disse que
um funcionário estava pedindo um reembolso de três meses atrás, o
Maestro indagou:
-Por acaso, esse funcionário é
novato?
-Não, já trabalha aqui há mais de
dois anos.
-Se fudeu.
Isso foi o de menos, perto da vez em que saiu
de sua sala falando, aos gritos, no celular uma sinfonia de palavrões.
Percebendo a burrada que fez, imediatamente desculpou-se em público sem fazer
ideia de que todos ali já estavam habituados com os seus constantes arroubos,
razão pela qual o torna mais temido do que respeitado pelos seus colaboradores.
Só mesmo Jandira para demonstrar
algum afeto pelo Maestro. Sempre que há uma confraternização, ela faz questão
de pegar alguns doces e salgados e levar para ele, que, por sua vez, nem
agradece. Homem nenhum sucumbiria os seus caprichos, levando em conta a sua
meiguice e beleza. Didi que o diga, vestindo uma camisa colada e ostentando o
seu corpo bem cuidado para a ala feminina da empresa, ele faz às vezes de
conquistador barato. Não há um só dia em que Didi deixe de falar de suas
conquistas amorosas para os seus colegas de trampo, mas todos estão cientes de
que ele não passa de uma mosca de padaria fantasiado de gogo boy.
Morcego,ao contrário de muitos,
vara noite adentro no escritório e só chega ao batente na hora do almoço. Não
seria nenhum espanto se na sua árvore genealógica apontasse algum parentesco
com o Conde Drácula. Além de ser o decano, Coruja alcançou a proeza de
tornar-se o primeiro funcionário contratado antes mesmo de a firma ser
inaugurada. Conhecendo como ninguém os trâmites da casa, especialmente daquele
departamento, ele é o braço direito de Diana que faz jus ao nome da deusa da
caça e está sempre de tocaia, aguardando o momento oportuno para pegar os seus
subalternos, quando derem um passo em falso.
Outro time que compõe o zoológico é
gerenciado pelo Bicho Preguiça que não se levanta de sua cadeira nem pra ir ao
banheiro. Se alguém depender de sua ajuda, tem que esperar sentado. O seu
auxiliar até que tem boa vontade, embora seja muito vagaroso porque vive com a
cabeça nas nuvens e é conhecido como Tonho da Lua por causa de sua aparência
física. Aquiles tem a incumbência de honrar essa equipe desdobrando-se para
atender às demandas que não cessam de chegar e ainda tem que ter saco para
aturar uma dupla que não tá no gibi: Vera Fischer, como é conhecida, está
sempre bem arrumada e com uma expressão altiva, misto de ar de primeira-dama
com cara de fome, e Iracema porta-se da mesma forma que a sua parceira,
achando-se a Beyonce do Pará.
História é o que não falta para
quebrar a rotina do trabalho, como da vez em que se pensou que um gambá fosse o
mais novo integrante do zoológico devido ao mau cheiro que impregnou o
escritório, mas tal hipótese logo foi descartada, porque todos se deram conta
de que o fedor vinha da mesa do Tonho da Lua.
A descoberta de um rato morto debaixo de sua escrivaninha assemelhava-se
ao primeiro parágrafo do segundo capítulo de A Peste, do Albert Camus, o que não impediu que o pobre rapaz, por
um triz, não tivesse sua alcunha alterada para Gambá.
Recentemente, correu a noticia de que
três espécies entraram em extinção, houve quem dissesse que eles foram
libertados do zoológico e agora estão por aí a solta. Chega a ser inimaginável
pensar no zoológico sem a presença de uma das figuras, destacadas nesse texto,
em função da sinergia que um complementa outro.
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