sábado, 30 de janeiro de 2016

Conto- Aquela Pessoa

Eric do Vale


O uniforme da Policia Militar realçou todo o receio e repulsa que, em outros tempos, eu sentia por aquela pessoa. Truculência e insociabilidade eram duas características que definiam muito bem a personalidade daquela... Mesmo assim, não havia ninguém que deixasse de especular sobre a sua orientação sexual. Por que não pensei nisso, antes? Tenho certeza de que aquilo seria um trunfo nas minhas mãos, quando aquela pessoa viesse, novamente, me ridicularizar. Sim, eu poderia. Houve uma ocasião em que não me contive e revidei. Discutimos, trocamos insultos até sairmos no tapa. Várias vezes, eu xinguei a mãe daquela pessoa sem que essa tivesse me feito nada. Aliás, sequer eu a conhecia. Lágrimas começaram a escorrer daqueles olhos e aproveitei a sua inercia para cuspi-lhe na face. Os demais, ali presentes, não tiraram os olhos de nós dois. Na medida em que fui me distanciando, pude ouvir alguém murmurar a palavra miserável. Não sabia quem era e nunca tinha visto aquela figura que, ao aproximar-se de mim, perguntou:
-Como você pode ser tão vil?
Aquilo tornou-se um aditivo para aquela pessoa continuar me detestando, enquanto os demais passaram a me ver de uma forma não muito positiva.   

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Conto- 5 De Agosto

Eric do Vale
1996

O primeiro semestre não saiu como eu havia planejado. O ano passado também não foi lá essas coisas, mas eu era feliz e não sabia. O que foi que aconteceu? Agora, eu queria ficar em casa, faltar uns dias e não voltar mais. Eu queria, mas as coisas não são bem assim. Acabei revendo e ouvindo tudo o que eu não queria. Até quando?

2002

Tudo outra vez!  Tudo está como há seis anos. As mesmas pessoas, as mesmas coisas e o clima mais carregado do que nunca. Queria fugir, ir embora. Mas, para onde? O que mais me conforta é saber que, agora, tudo é uma questão de tempo.

2009

Atravessados todos os vendavais, cheguei onde eu queria. Alcancei a glória!

2014

Idas e vindas. Volto ao mesmo lugar. É tempo de recomeçar. Agora, mais do que nunca.

2015

Um ano depois, tudo se repete: hora de reescrever um novo capítulo dessa história.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Conto- Desnorteado

Eric do Vale

            -E ele, como está?
            -Está bem. Casou-se, mas, depois, separou. De vez em quando, ele apronta.   
            -Hum, gosta de dar umas escapulidas!
            -Ele é meio atrapalhado.
            No fundo, ele era uma ótima pessoa e com um coração boníssimo, mas demonstrava que tinha um juízo situado no dedo mindinho do pé. Ao passar o fim de semana em uma região praieira, gastou todo o dinheiro que não tinha sobrando um centavo sequer.
            É do conhecimento de todos que ele, uma vez, foi parado pela blitz, porque estava pilotando uma moto sem capacete e levando consigo um de seus filhos que era menor de idade. Além disso, ele não portava a habilitação.
            Soube-se também que, recentemente, ele, na companhia de seus dois filhos, tinha ido visitar um conhecido, quando esse já estava de saída, e perguntou:
            -Posso ir com você?    
            -E os meninos?
            -Eles ficam aí vendo televisão.
            Depois de muito insistir, ele conseguiu convencê-lo e ao voltarem, encontraram a casa de cabeça para baixo.  Indignado, o conhecido dele falou:
            -Pelo amor de Deus, vá embora! Pegue as suas crianças e saia daqui, agora mesmo!
            Sem eira e nem beira, perambularam pelas ruas até chegarem a uma rádio local.  Lá, ele falou que precisava muito voltar para a cidade dele, porque não dispunha de condições financeiras.




domingo, 24 de janeiro de 2016

Conto- Babados

Eric do Vale

Domingo, só uma coisa que nós, meros mortais, desejamos fazer, nesse dia: dormir. Não fujo a regra e quando, de madrugada, eu me encontrava no décimo oitavo sono despertei com uns gritos que vinha lá de fora. Será possível! Tentei voltar a dormir, mas não consegui. A coisa devia ser muito séria. Levantei-me e fui ver o que era. O burburinho vinha da casa que fica em frente à minha, só podia ser! Dona Edwiges, pra variar, estava dando aqueles escândalos homéricos e a vítima, dessa vez, era o marido dela. Ele não é flor que se cheire e por isso, dou razão a ela, mas acho que roupa suja se lava em casa.
Outro dia, dona Edwiges pegou o cinturão e, bem no portão da casa dela, açoitou a filha dizendo em alto e bom som:  
-Isso é o que dá não educar uma filha direito. Vejam, minha gente! Vejam. _ E batendo cada vez com mais na moça. – Vejam! E que isso sirvam de exemplo para todos vocês que são ou, um dia, se tornarão pais e mães.  Eduquem os seus filhos e filhas direito, se não..._ Deu três cintadas na moça.
A minha família e eu vimos aquela cena de camarote
-Faça alguma coisa? _ Falou a minha mãe para o meu pai.
-Eu? Quer que eu leve uma cintada também?
 -Como você é mole, homem!
-Então, vá você.   
-Deus me livre!
-Vamos entrar que é o melhor que a gente faz.
 Quando não era o marido ou a filha, dona Edwiges estava batendo boca ou se atracando com alguma moradora, aqui da rua.  Já perdi a conta das vezes em que a polícia foi acionada, por causa das confusões dela.  Notando que todos estavam assistindo aquela cena, ela falou:
-O que é que vocês estão olhando? Vão cuidar de suas vidas!
Ninguém falou nada e dona Edwiges entrou para a casa dela. O marido, todo desconcertado, fez a mesma coisa que ela. E quando a multidão estava prestes a se dispersar, um senhor dirigiu-se para porta da casa dela e começou a falar bem alto para todos:
-É o fim dos dias, é o fim dos tempos! O apocalipse se aproxima!
De onde saiu aquele homem? Eu não sei. Ele continuou pregando o evangelho sem se importar com a diminuição do fluxo de pessoas e eu, dentro da minha casa, ouvi aquela pregação até pegar no sono.  Mas, alegria de pobre dura pouco. Em plena sete horas da manhã, despertei com um som ligado no último volume, Meu Deus do céu! E era uma sequência de Reginaldo Rossi, Amado Batista... Ninguém merece!
Coloquei o travesseiro sobre a minha cabeça e percebi que aquele som tinha parado. Estava crente que, finalmente, iria dormir o sono dos justos, porém uns gritos ecoando aqui em casa colocaram tudo por água abaixo.  A minha mãe estava discutindo com a minha irmã, pois essa tinha acabado de chegar, naquele momento. Ah, essa não!    

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Conto- Mal- Entendido

                                                   Eric do Vale

Quase atirei a xícara de café no chão, ao vê-lo debruçado sobre o meu caderno lendo, provavelmente, a última coisa que eu havia escrito.  Pensei em arrancar aquilo das mãos dele ou inventar algo do tipo: “não dê importância, são só bobagens.”. Mas, sabia que nada disso adiantaria. Notando a minha presença, Carlinhos levantou-se e olhou-me de tal maneira, que fiquei sem ação.
-Você escreveu isto? _ Perguntou Carlinhos.  
Nunca simpatizei com ela. Vez ou outra, abordava-me querendo saber algo referente a minha vida particular e eu, de uma forma bem cortes, dava-lhe uma cortada, deixando bem claro que não queria conversa. Além de evasiva, era também folgada e fofoqueira. Por isso, nenhum morador do prédio gostava dela.  Eu preferia mil vezes subir vários lances de escada a ter que tomar o mesmo elevador que ela. Apertei o botão do meu andar, quando a vi chegando e de repente, o elevador parou. Era só o que me faltava! Graças a Deus que aquela pane durou pouco tempo!
Assim que coloquei os pés no meu apartamento, peguei um caderno de capa dura verde no qual costumo fazer anotações sobre alguns fatos que considero marcantes e decidi colocar no papel tudo aquilo eu pensava a respeito dela.
Como se estivesse falando para ela, escrevi, em forma de carta, que muito me incomodava aquele péssimo habito dela de querer se intrometer na vida alheia e enfatizei: “Durante esses anos de convivência, jamais ouvi da sua boca uma palavra elogiosa. Muito me espanta saber que, para você, ninguém presta. Já se olhou no espelho?”. E continuei escrevendo até finalizá-lo.
No dia seguinte, fui ler com calma o que havia escrito, quando o porteiro interfonou avisando que o Carlinhos estava subindo. Deixei o caderno aberto sobre a mesa, no momento em que a campainha tocou. Abri a porta, pedi para que entrasse e falei:
-Fique à vontade, você já é de casa. A propósito, estou passando um café, você aceita?
-Sim.
Não tive a menor dúvida de que, naquele instante, encontrava-me em um beco sem saída. Carlinhos continuou me olhando daquele jeito e repetiu a pergunta:
-Você escreveu isto?                               
- Sim. _ Respondi meio que desconcertado.
-Zé Luís, por que você nunca me falou desse seu talento?
-Talento?
-Escondendo o jogo, homem?  
Fiquei sem entender e pedi que me explicasse.
- Zé Luís, você escreve muito bem, sabia?
-Não.
-Eu te aconselho a não desperdiçar esse seu talento. Pode ter certeza de que irá muito longe.
Continuei sem entender, mas pensei muito no que ele havia me dito. O Carlinhos estava coberto de razão e me certifiquei disso, depois que reli tudo o que estava escrito naquele caderno. Reescrevi cada um desses textos, convertendo-os em conto, crônica e poesia. Passei a postá-los em um blog que eu tinha criado e, ao mesmo tempo, a compartilhá-los nas redes sociais.
Alguém que conheço, um dia, telefonou-me perguntando:
-Está tudo bem?
-Sim, por quê?
-Não está zangado comigo?
-Por que haveria de estar?
- Pelo que você postou, deduzi que estivesse zangado comigo. .
Reparei que estava se referindo ao último texto que eu havia postado: justamente aquele que escrevi para aquela senhora.
-Aquilo que você leu é uma narrativa ficcional, um conto, narrado em primeira pessoa_ Expliquei. .
No final, tudo ficou esclarecido. Outras duas pessoas, também conhecidas minhas, me procuraram a fim de saber o que estava acontecendo comigo, pois ficaram preocupadas com a minha última postagem, na rede social.
 Jamais passou pela minha cabeça que aquela minha produção textual pudesse ser tão impactante e tive certeza disso, quando um conhecido me enviou esta mensagem: “Quer dizer que você me acha que eu não tenho educação e que sou mau caráter? Quero ver se tem coragem de dizer isso na minha presença. Sei onde mora e, atualmente, onde você está trabalhando. Esteja certo de que irei procurá-lo para dizer tudo o que penso sobre você. Vou imprimir esta porcaria que você escreveu para esfregar na sua cara e depois, fazê-lo engolir.”
Pelo pouco que o conhecia, sabia que aquilo não seria difícil de acontecer. Percebendo que eu estava on line, ele perguntou:
-E aí, qual vai ser?
 Falei que estava havendo um mal-entendido e, naquelas condições, expliquei-lhe a origem daquele conto.
-Sendo assim, me desculpe.  Quer um conselho? Cuidado com o que escreve, guarde esses seus textos para você.
Até hoje, não sei como aquele meu texto chegou ao conhecimento do Fred, visto que eu não tenho nenhum contato dele. E por que ele se doeu tanto? Mesmo que tudo tenha sido esclarecido, confesso que fiquei bastante tenebroso.  
Alguns meses depois, tive a ideia de transcrever sobre esse episódio, quando, no meio do expediente, a telefonista telefonou-me avisando:
-Seu Zé Luís, tem um homem aqui que deseja muito falar com o senhor.
-Como é o nome dele?
-Fred.
-Como é que é?
-Fred.
Desliguei o telefone e antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, a porta da minha sala foi aberta.
-O cara da manutenção está aqui. _ Falou o rapaz que trabalha comigo, ao entrar no meu gabinete.
-Manutenção? _ Recuperando-me do susto.
-Sim. Ele está aqui para concertar o ar condicionado.
-Ah, sim. Mande-o entrar, por favor.
Assim que o técnico entrou, levantei-me e falei para esse:
-Fique à vontade. Tenho que dar uma saidinha, mas volto logo.
Fui até a recepção e olhei por todo o cômodo, mas não encontrei ninguém.  Perguntei a recepcionista:
-Onde está o sujeito... Digo, o homem que queria falar comigo?
-Dirigiu-se para a sala do senhor.
-Como assim?
-Aquele rapaz que trabalha com o senhor pediu que eu o liberasse...
-E pelo jeito, você acatou o pedido dele.
-Sim. Eles entraram, agora há pouco.
-Eles?
-O homem e o rapaz que trabalha com o senhor, seu Zé Luís. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Poesia- Dia De Chuva

Eric do Vale

Um dia chuvoso
É um dia preguiçoso
Em que a preguiça,
Um pecado capital,
Redime-se em um
Descanso mortal. 

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Conto -Sem Resposta


                                                            Eric do Vale      


Após ter falado para o meu amigo que existiam perguntas que já nasciam sem respostas, correu-me a ideia de elaborar uma lista com essas interrogações. Cada vez que eu me lembrava de algum fato marcante, escrevia uma pergunta e, para a minha surpresa, conseguia obter alguma resposta, coisa que, até então, me parecia impossível de conseguir. Mas, para toda regra sempre existiu, e existirá, uma exceção. Estava com treze anos, quando fui estudar naquele colégio, e ela foi a primeira pessoa com quem eu tive contato. Diariamente, vinha ao meu encontro com toda aquela simpatia e solicitude para me perguntar se eu estava gostando do colégio e algo desse tipo. A minha resposta era sempre sim.  Houve uma vez que, durante o intervalo, conversamos bastante e em pouco tempo, um ficou sabendo da vida do outro. Depois desse dia, eu não sei dizer o que realmente aconteceu para termos nos distanciando.
Só sei de uma coisa: eu tentei me reaproximar, mas ela passou a mostrar-se cada vez mais arredia. O que eu falasse ou fizesse era motivo suficiente para me hostilizar.  Várias vezes, cogitei em procura-la com a finalidade de perguntar o que estava acontecendo e saber se tinha feito alguma coisa que a deixou magoada, mas o meu receio falava mais alto.  Houve ocasiões em que pensei em partir para a ignorância, porque não dava para suportar tanta implicância e a troco de quê?
Eu, uma vez, juntamente com uma parcela da classe fui para a coordenação, porque não estávamos vestidos de acordo com o uniforme do colégio. Por pouco, ficamos impedidos de assistirmos as aulas. Ela também estava no meio e falou para a turma que não sabia desse novo regulamento:
-Eu também não estava sabendo disso. _ Eu falei.
-Não estou falando com você. _ Ela respondeu com tamanha agressividade.
    Aquela resposta levou-me a descartar qualquer possibilidade de reaproximação e o mesmo sentimento de repugnância que ela tinha por mim, eu, naquele momento, passei a nutrir em relação a pessoa dela.  
No ano seguinte, mudamos de sala e não tive mais notícias dela até que, onze anos depois, nos reencontramos por meio de uma rede social. Não sei qual de nós tomou a iniciativa de enviar uma solicitação de amizade. Acredito que tenha sido eu, embora não tenha tanta certeza disso. Dias depois, ele me disse oi e eu, obviamente, correspondi. Logo, estávamos conversando bastante. Esse seria o primeiro de muitos outros diálogos pelos quais, respectivamente, trocaríamos e, quem sabe, tudo seria esclarecido.  Assim, eu pensava.



Poesia- Proximidade

Eric do Vale
                                
Tão próximos, porém distantes
Pela proximidade que, outrora,
Nos distanciavam e que, agora,
Muito mais nos aproximavam.

Próximos, bem próximos
Somos e tão próximos
Estamos por esta distancia 
Que antes, nos distanciava
E que, agora, muito mais nos aproxima.       

domingo, 17 de janeiro de 2016

Conto- O Homem da Caderneta

Eric do Vale



               - Boa noite, seu Guimarães! _ Falou Marlene quando o viu chegando.
            Ele a cumprimentou, assim que entrou no elevador, e trocaram mais duas palavras. Cristina, amiga de Marlene, balançou a cabeça, simbolizando um cumprimento, e assim que seu Guimarães saiu, ela fez um sinal negativo com a cabeça deixando visível a repulsa que sentia por ele. 
            Ao entrarem no apartamento, Marlene não se conteve: 
             - Eu não entendo esta sua implicância, Cristina. Juro por Deus que não consigo entender.
            -  É simples, Marlene: eu não gosto dele.
            -Por quê?
            -Você ainda pergunta? Não acho esse homem legal.
            - E quem é que você acha legal? Me diga. Desde que eu te conheço, só escuto você dizendo: “Não gosto de fulano, não gosto de cicrano, não gosto de beltrano. Não confio nesse, naquele...”. Ninguém, para você, é digno de confiança.
            -Estou mentindo?
            -Por um lado, você tem razão. Mas, acho que, as vezes ou sempre, você é muito radical. Eu não entendo por que essa antipatia pelo seu Guimarães. 
            -Se esqueceu de que eu trabalho na mesma firma que ele? Marlene, eu sei muito bem o que estou dizendo. Desde que comecei a trabalhar lá, a Suely e a Carmem me advertiram de que ele não era uma pessoa confiável.
            - Cristina, você esqueceu de um detalhe: eu já trabalhei lá. Além disso, a Carmem e a Suely são duas fofoqueiras, vivem falando de Deus e o mundo. Apesar de ter convivido pouco com o seu Guimarães, eu sempre gostei e gosto muito dele. Acho-o muito educado e bastante discreto.
            Fosse no trabalho ou no prédio, pouco se sabia a respeito dele. Mesmo sendo muito reservado, seu Guimarães era bastante cordial. Não fazia distinção de ninguém e conversava com todo mundo.  
Vez ou outra, ele tirava do bolso um bloquinho de anotações e começava a escrever. A zeladora, certa vez, brincou:
            -Seu Guimarães, o senhor parece um detetive com esse caderninho, sabia?
Ele levou aquilo na esportiva.
Quando não estava de posse da caderneta, escrevia em qualquer folha de rascunho. Seu Guimarães dirigia-se ao bar que ficava próximo ao apartamento dele para beber alguma coisa e jogar conversa fora.
O bar estava situado de frente a uma praça, onde havia uma igreja e há alguns metros, ficava um templo evangélico. No domingo, aquele espaço ficava repleto de gente e seu Guimarães observava aquele movimento todo tendo em mãos os seus inseparáveis instrumentos de trabalho:  a caneta e o bloquinho de anotações.
No trabalho, havia quem dissesse que o seu Guimarães era um X9, essa foi a tese defendida por Carmem, Suely e, posteriormente, por Cristina.  Os moradores do prédio e o pessoal do bar juravam que ele era um policial disfarçado ou um detetive particular.

Havia até quem dissesse que seu Guimarães era algum assassino em série ou profissional. Tudo isso, no entanto, não passavam de meras especulações. A única coisa concreta era que ninguém, até hoje, conseguiu saber o que tanto ele redigia naquele caderninho. 


sábado, 16 de janeiro de 2016

Conto- De Mãos Abanando

                                  Eric do Vale

A minha irmã e eu resolvemos ir a uma cidadezinha, situada no litoral, onde o nosso pai possuía um terreno.  Ficamos sabendo que esse espaço, atualmente, encontra-se localizado em uma área preservada, não podendo assim, ser desmatado. Além disso, a empresa que administrava esse terreno sumiu e a prefeitura não está nem aí, mas continua cobrando impostos. Como fazia um ano que o nosso pai tinha morrido, achamos que seria fundamental resolver tal pendenga o mais rápido possível.
Eu não sei por que a minha irmã inventou de trazer o mala do marido dela. Nada contra ele, pelo contrário. Tirando os defeitos, o meu cunhado é uma pessoa maravilhosa. Ele sempre faz o que aminha irmã quer e depois, fica reclamando. No entanto, tenho até dó dele, porque ela não é uma pessoa fácil. Os dois parecem duas crianças: brigam por tudo e a toda hora.  Durante o trajeto, o meu cunhado ascendeu um cigarro e então, pensei: “Ai meu Deus, o Otaviano não tem jeito mesmo!”. Sorte que eu tinha trazido o meu celular para acessar a internet e quando me viu com o aparelho em mãos, o meu cunhado não perdoou:
- Quem muito acessa a internet fica alienado, sabia? 
Por que não inventei uma desculpa qualquer? Eu devia ter feito isso, assim que a maluca da minha irmã disse que o chato do marido dela ia conosco. Ao atirar pela janela a guimba do cigarro, o Otaviano não perdeu tempo e ascendeu outro. Após a terceira baforada, a minha irmã reclamou:
-Otavianooo, apaga esse cigarro!
Haja saco de filó!
O terreno do nosso pai localizava-se em um lugar bastante ermo e o meu cunhado não pensou duas vezes e começou:
-Ana Clara, onde é que o seu pai estava com a cabeça, quando comprou esse terreno?
-Otavianooo, menos vai!
-Não está vendo que aqui é reduto de mau elemento?
Nesse ponto, eu estava completamente de acordo com ele.
Fomos até a prefeitura e saímos de lá sem nenhuma resolução com destino para os nossos respectivos lares. No meio da viagem, o meu cunhado inventou de ascender um cigarro e não demorou muito para a minha irmã reclamar:
-Otavianooo, apaga esse cigarro!

O meu consolo era saber que, dentro de algumas horas, eu estaria desfrutando do aconchego do meu lar.    

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Poesia- Pura Verdade (Dura Realidade)

                                 Eric do Vale 

A pura verdade
Nada mais é
Do que a dura
Realidade que
Vem a ser
A verdade
Mais pura. 

Poesia- O Tudo E O Nada

                          Eric do Vale 

Quando tudo
Não era nada
E tudo parecia
Que não ia dar
Em nada, eis que
O nada tornou-se tudo. 

Conto- Aviso Prévio

Eric do Vale


                                                                                                          “Eu bato o protão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.”
(Trocando Em Miúdos: Chico Buarque & Francis Hime)


Um dia, isto haveria de acontecer. Já era sem tempo! Qual futuro eu teria, se continuasse trabalhando aqui?  Permaneceria na mesma função e caso mudasse de setor, receberia o mesmo salário de outrora. Só me restava procurar algo melhor e foi o que fiz.
Logo após solicitar o meu desligamento, tive a plena convicção de que fiz a coisa certa. Mas, não posso me esquecer de que, no ano passado, as coisas estavam difíceis e era preciso segurar a onda até cessar a tempestade.
Acordava as cinco e meia e depois das seis, caminhava vários metros até o ponto de ônibus para, a partir das sete horas, estar no batente. É muito raro alguém desse estabelecimento ser mandando embora. Muitos já tentaram, mas poucos, pouquíssimos, conseguiram. E tem aqueles que continuam tentando: faltando o trabalho, chegando atrasado ou enrolado o serviço.
Só tenho uma coisa a lamentar: estou saindo justamente no momento em que comecei a me entrosar com o pessoal. O que se há de fazer? São coisas da vida e que saber? Melhor assim.

Continuo acordando no mesmo horário e sempre que me desloco para o ponto de ônibus, resmungo: “Porcaria de emprego!”. E quando o ônibus começa a demorar, não me contenho: “Droga de trabalho”. Então, concluo: “Falta pouco”.      

Conto- Cobras E Gaviões

Eric do Vale

Armando, certificando-se de que as mulheres haviam se distanciado, disse:
-Viram só como elas se soltaram? No trabalho, são todas pudicas, mas quando tomam todas... O que é que a bebida não faz? 
– Eu não vou mentir que fiquei com vontade de dar uns amaços na Debora, mas sabe como é? Além desse negócio de sermos colegas de trabalho, eu sou casado. _ Comentou Luís Carlos.
- Luís Carlos, como você é mole! Não está vendo que eu, em seu lugar, não desperdiçaria uma chance dessa. Por falar nisso, reparou na Vanusa?
-Se reparei? Não só eu, mas todo mundo.
- Viu como o diretor-presidente ficou babando por ela? Ele, praticamente, a devorou com os olhos. Pelo jeito, ela não é de negar fogo. Eu fui dançar com ela e ...
Armando descrevia aquilo de tal maneira sem fazer ideia de que havia perdido uma grande oportunidade de ficar calado. Celso, então, falou:
-A Vanusa é casada.
-Eu sei, mas, pelo jeito, o marido dela não deve estar dando conta. _ Finalizou Armando.  
 No dia seguinte, ela não veio trabalhar. Logo, começaram as especulações: 
            -A Vanusa, certamente, não veio, porque deve estar de ressaca moral.
-Eu, no lugar dela, também faria a mesma coisa e acho que nem teria mais coragem de colocar os pés na firma. _ Disse Firmino
Desde que começou a trabalhar naquela firma, Vanusa já chamava a atenção da ala masculina, em virtude de sua esfuziante beleza.  Ela só voltou ao trabalho depois de dois dias e assim que chegou, foi chamada na sala da chefe.  Embora todos fizessem ideia do que se tratava, Vanusa jamais comentou com alguém o porquê daquela “conversa”.   
Nessa mesma época, Vanusa separou-se do marido e quando o pessoal da firma tomou conhecimento disso, caíram matando. O Armando, por exemplo, não cessava em investir com cantadas baratas. Um dia, ele entrou na sala de Mário Sérgio para entregar um documento a esse e indagou:  
-O que você acha da Vanusa?
-Em que sentido?
-Ora essa, Mario Sérgio! Não se faça de rogado.
-É uma mulher bonita, por quê?
-Soube que ela se separou do marido.
-Sim, mas você é casado e além disso, a sua esposa é muito amiga dela.
-E o que é que tem, Mario Sérgio? Isso não quer dizer nada.  E sabe de uma coisa? Acho que ela não gosta de homem.
-Que história é essa?
- Não é história coisa nenhuma. Várias vezes, eu liguei para ela marcando para sairmos e a resposta sempre foi não.
-É simples, ela não quer nada com você.
- Se fosse só isso, tudo bem. Só que eu não sou o único, aqui nessa firma, a suspirar por ela. Você há de convir comigo que um mulherão daquele, capaz atrair todos os homens...
-Muito cuidado com o que diz, Armando. _ Interrompendo-o.-  A Vanusa não é uma qualquer e além do mais, eu a estimo bastante. Por isso, dobre a língua, quando for falar dela. Caso não tenha mais nenhum assunto referente ao trabalho, faça o favor de, agora mesmo, retirar-se da minha sala.

Naquelas condições, Armando colocou o rabo entre as pernas e bateu em retirada. Ao abrir a porta, deu de cara com Vanusa. 

Conto- Freud Explica

Eric do Vale

                Depois de desligar o telefone, Cibele não esqueceu do que Hermano havia lhe falado: “Não entendi, até agora, o motivo de você ter ido embora daquele jeito.”. Aquelas palavras fizeram-na lembrar-se de um encontro casual que tivera com um antigo namorado. Especificamente, um fato, ocorrido, há cinco anos.  Era carnaval e Cibele estava em uma cidadezinha litorânea, quando, acompanhada de uma amiga, dirigiu-se até a praça matriz, onde a festa havia se iniciado. De repente, Cibele viu o seu ex-namorado. Faziam quase dois anos que eles tinham terminado e ele sorriu para ela. Discretamente, Cibele falou para a sua amiga:
-Vamos embora?
-Mal chegamos.
-Por favor.
Muito tempo depois, Cibele reencontrou, casualmente, esse antigo namorado e entre uma conversa e outra, ele falou: 
-Eu não entendi o porquê que você deu aquela carreira, durante o carnaval.
 Assim que chegou em casa, Hermano telefonou-lhe, mas ela não atendeu. Preocupado, ele enviou-lhe uma mensagem: “Gostou do encontro?”. Cibele respondeu que sim e o achou um rapaz muito educado e logo em seguida, Hermano mandou-lhe outra mensagem querendo saber se poderia telefonar para ela. Cibele respondeu que não, pois estava com uma amiga.
No dia seguinte, após o encontro, Hermano resolveu telefonar-lhe, mas, dessa vez, Cibele atendeu. Sem muitos rodeios, ele foi direto ao assunto:
-Está tudo bem?
-Sim, está.                              
-Eu fiquei preocupado.
-Por quê?
-  Você saiu daquele jeito.
-O meu ônibus tinha acabado de chegar.
Aquele era o primeiro encontro dele e depois de terem conversado bastante, Cibele disse que precisava ir embora. Hermano fez questão de acompanha-la até a parada, quando ela avistou o ônibus chegando. Ao se despedirem, Hermano beijou o lado esquerdo do rosto dela e quando estava prestes a beijar a outra face, encostou os lábios dele nos dela. Perto de repetir, ela, atônita, afastou-se e, saindo correndo, disse:  

-Até outro dia!     

Conto- Mais Um Dia (Diário De Uma Trabalhadora)

Eric do Vale
            Acordei às três e meia da manhã, fiz o café e quando deu quatro e quinze, saí para trabalhar. Essa é a minha rotina e o lugar onde moro é bastante perigoso, principalmente nesse horário. Por isso, posso dizer que já vi e continuo vendo muita coisa. Eu estava na parada, quando um taxi estacionou na minha frente e o motorista abaixou o vidro do carro. Era um homem de cabelos grisalhos que beirava a casa dos cinquenta e ele falou:
            -Entra aqui.
            Eu me fiz de desentendida, mas ele insistiu:
            -Entra aqui.
            Continuei ignorando-o e ele se enfureceu:
            -Está surda? Entra aqui!
            -Pra quê?
            -Não interessa, faça o que estou pedindo.
            Saí correndo e ele gritou:
            -Volte aqui!
            Percebi que ele tinha dado a partida do carro e então dobrei a esquina. Quando tive certeza de que ele não estava mais perto, aliviei o passo até chegar a um ponto de ônibus. Nessa hora, avistei uma mulher caminhando em minha direção. Ela vestia trajes curtos e estava com o rosto todo maquiado. Cada vez que essa mulher vinha se aproximando, tinha a impressão de conhece-la de algum lugar e não tive nenhuma dúvida disso, quando eu a vi de perto: era a Vilma! Ainda pensei em chama-la, mas, nesse momento, ela foi abordada por um homem que a chamou por outro nome. Eles caminharam até um beco e ficaram por lá. Foi justamente nessa hora, que o meu ônibus chegou.
            Diariamente, a Vilma e eu íamos para o trabalho e voltávamos para a casa juntas até ela ser demitida por justa causa. Ainda hoje, ninguém soube esclarecer o motivo dela ter sido demitida. Por coincidência, hoje, durante o almoço, o pessoal falou nela:
            - A Vilma andava de caso com o Orlando.
-Ela se envolveu com quase todo mundo, aqui da firma, e dizia para quem quisesse ouvir. Esse foi o vacilo dela.
- E ela ainda cometeu a besteira de sair falando mal do Orlando, atirou no próprio pé.   
Eu não emiti nenhuma opinião e nem falei que a tinha visto hoje, quando estava indo trabalhar.
Ao voltar para a casa, pensei: “Amanhã é um outro dia”.  No entanto, não poderia deixar de transcrever tudo isso que aconteceu, hoje.    




domingo, 3 de janeiro de 2016

Conto- Bestialidade Exorbitante

Eric do Vale

“Tudo parece ser tão real
Mas você viu esse filme também”
(Baader- Menhof Blues: Renato Russo)



Quando não estava nos semáforos limpando os para-brisas dos carros, abordava algum pedestre e pedia um trocado. Às vezes, ele recebia alguma coisa, mas isso acontecia raramente. E quando o sinal fechava, dirigia-se para o primeiro carro que via e, sem perguntar, começava assear os vidros. Tal atitude, porém, terminava custando-lhe bastante caro. Além de ouvir a clássica frase: “Desculpe, não tenho dinheiro”, era também obrigado a escutar intermináveis desaforos dos motoristas.
Uma vez, quando aproximou-se de um carro, o motorista abaixou o vidro e gritou:
-Não tenho dinheiro!
Ele, imediatamente, esmurrou a porta e o ameaçou, gerando, assim, uma horrível discussão em que ambos foram parar na delegacia. Ele, é claro, terminou sendo o mais prejudicado.
Isso também acontecia com os pedestres:
-Um dinheiro aí. _ Pedia ele.  
E insistia:
-Um trocado.
Quando alguém não lhe dava ouvidos ou o insultava, ele apelava para a brutalidade e tirava na marra. Apesar de ser velho conhecido dos policiais, não demorava muito para estar de volta as ruas e voltar a sua rotina.
Não fazia pouco tempo que tinha retornado as ruas, quando viu um senhor passar perto dele e foi direto ao assunto:
-Um trocado, por favor.
O velho não deu ouvidos e ele persistiu:
-Uma graninha, meu tio.
Como o velho continuou ignorando-o, ele apressou o passo, segurou no braço dele e alterou a voz dizendo:
-Tu é surdo? Quer que eu traduza? _ Apertando o braço dele mais forte.
-Tudo bem, já entendi. _ Disse o velho levantando o polegar esquerdo.

Ao soltar o braço dele, o velho colocou a mão no bolso e sacou um revólver. Ele deu dois passou para trás, mas levou um tiro certeiro no coração.    

Poesia- Cabotinismo

Eric do Vale

Se a vida é um teatro pelo qual
todos se maquiam e vivem
 nesta constante encenação,
eu, então, não passo de um reles canastrão.  




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