segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Conto- Lembranças Do Passado

Eric do Vale

- Sabia que eu até pensei em ser freira?
-Não brinca!
-É Sério. Queria ser freira, porque não pretendia me casar nunca. E depois que comentei isso com a Anabela, não tive mais sossego. Vira e mexe, ela fica pegando no meu pé e até, veja você, me chama de madre superiora.
-Só rindo mesmo e quer saber? Eu estou me controlando para não achar graça.
-Nem vem que não tem. Você não pode dizer nada: e aquela coroa que você era os quatro pneus arreados?
- Você também não pode dizer nada: lembra-se daquele quarentão que te deu uns beijos, depois que ele te deu carona?
-Foi só uma vez e isso foi um grande equívoco na minha vida.  Ao contrário de você, que era os quatro pneus arreados por essa dona. Vai negar?
-De jeito nenhum. Mas, isso é passado.
-Passado? Nunca que vou me esquecer do dia em que ela te deu um fora: você veio chorar nesse meu ombro.
-Você tem que lembrar disso, por quê?
-Foi você quem começou. Agora, aguenta o tranco.
-Ah, é? Só que eu nunca pensei em ser padre.
-Mas, sempre foi um eterno romântico. Além dessa coroa, teve aquela tresloucada...
-Tá legal, você venceu. Por falar nisso, você me deu uma grande ideia.
-Qual?
-Escrever uma história sobre isso.
- Você não é nem louco de fazer uma coisa dessa!
-Por que não?
-Falar da nossa vida, ficou louco?
-Prometo que não vou citar nomes.
-Você escolhe:  escrever essa história ou o nosso namoro?


Conto- O Justiceiro

    Eric do Vale

Feita a aquisição do automóvel, Irineu conferiu a documentação e depois, falou para o vendedor:
-Consta aqui, na documentação, que o ano do carro é 1984.
-E daí?
-É que o senhor me vendeu essa Belina dizendo que ela era do ano de 1986.
-Azar o seu.  Se achou ruim, procure os seus direitos.
Irineu, naquele momento, pensou em partir para a ignorância, dizendo-lhe alguns desaforos. Contudo, manteve acalma e achou melhor seguir o conselho dele.    
            Deitado na rede, Raulino saboreava o seu uísque vespertino, quando notou a presença de Irineu.
            -Irineu, o que é que há? Sente aí e me diga: o que o trais aqui? Aceita um uísque? _ Perguntou Raulino.
            -Eu queria um favor seu, se fosse possível.
            -Qual é o problema?
            -Eu comprei uma Belina 1986 e quando tive acesso à documentação, verifiquei que o ano do carro era de 1984.
            Irineu mal terminou de relatar o ocorrido e Raulino levantou-se dizendo:
            -Pode ficar sossegado, porque nós vamos resolver isso, agora.
            Aquele homem de bigode, óculos escuros e com um revólver na cintura chamou a atenção de todos que estavam naquela concessionária.  
-Irineu, me mostre quem foi o sujeito que tentou te ludibriar. _Disse Raulino.
- Foi ele. _ Apontando para o homem de cabelos grisalhos.
            Raulino aproximou-se dele e perguntou:
            -Podemos conversar?
            -Sim, claro...
Ele fez um gesto para que os dois o acompanhassem até a sala dele. Ao sentar-se, o homem de cabelos grisalhos falou:
-Fiquem à vontade. _ Fazendo um gesto para os dois sentarem. – Vocês aceitam uma água ou café?
-Nem uma coisa e nem outra. Nós seremos breves, doutor. _ Disse Raulino tirando os óculos, aproximando-se dele – O senhor vendeu para o meu cliente uma Belina 1986, quando, na verdade, o ano dela era 1984. O senhor sabia que essa sua brincadeira vai lhe custar muito caro? 
Ele ficou inerte e Raulino prosseguiu:
O senhor violou praticamente todo o Código Civil, sem falar no artigo 171, do Código Penal.  Não sei se o senhor sabe, mas isso chama-se estelionato. Quer que eu te diga quantos anos o senhor terá de cadeia, se levamos essa fato ao conhecimento da justiça?
-Não, por favor. Me diga_ Olhando para Irineu e abrindo a gaveta da mesa. -  Quanto o senhor quer?
- Eu só quero o valor certo do carro.
Depois de ter pago a Irineu, Raulino falou:
-O senhor demostrou ser um homem muito sensato. Quem dera se todos fossem assim.
Ninguém da concessionaria tirou os olhos deles dois até se certificarem de que tinham do embora.
Irineu tirou um bolo de dinheiro do bolso da calça e após separar as notas, falou:
-Aqui está a sua parte, Raulino. E mais uma vez, muito obrigado.
-Não foi nada, Irineu. Mas, fique com todo o dinheiro.
-Não é justo. Tenho que te pagar.
-Então, me dê só o dinheiro do meu uísque.  


                                                                  

Conto- Memórias De Um Médico (Parte 2)

Eric do Vale


Para Salomão Francisco Rabelo Sampaio


Todos os médicos estavam no pátio central do Hospital Militar, quando o coronel Feitosa, diretor do estabelecimento, ficou no meio de nós e foi direto ao assunto:
            -Fui informado de que, ontem, houve, aqui dentro do Hospital Militar, uma briga entre dois médicos que resultou em luta corporal. Portanto, peço aos responsáveis por essa balburdia para, nesse exato momento, darem um passo à frente.  
            Eram quase dez horas da noite, quando papai chegou e vendo todos nós ali presentes, perguntou para mamãe:
            -Tudo em ordem, por aqui?
            -Sim, meu velho.
            Era comum, sempre que chegava em casa, papai fazer essa pergunta a ela. Caso fizéssemos alguma coisa errada, ela o informava e ele, imediatamente, aplicava o corretivo em nós.
O coronel insistiu, mas ninguém se pronunciou e então, perguntou:
            - Quer dizer que não houve briga?
            Todos ficaram em silêncio. Assim como os demais presentes, ali na recepção, eu não balbuciei uma palavra sequer e como os responsáveis, até então, não haviam se pronunciado, era muito provável que todos nós seriamos punidos.   
Depois que mamãe disse-lhe que estava tudo em ordem, o velho andou alguns metros, olhou para todos nós e perguntou:
- Olhem para cá e me respondam. _ Apontando para a testa – Aqui, por acaso, está escrito trocha ou outra palavra semelhante? Vamos, me respondam!
O silêncio foi a nossa resposta e ele continuou:
-Vocês pensam que eu tenho cara de palhaço? A quem pretendem enrolar? Eu quero que me digam a verdade, senão vou descobrir. E se eu descobrir...
Não sei como papai desconfiou que havia algo errado. Aliás, ele sempre foi muito esperto e, até hoje, estou para conhecer alguém que tenha conseguido levá-lo no bico. Naquele dia, os meus irmãos mais velhos, Carlos e Pedro, saíram no braço, porque um tinha vestido a camisa do outro.  A sala estava um pandemônio:  mamãe e as minhas irmãs aos prantos, enquanto os meus outros irmãos tentando separá-los. Discretamente, aproximei-me do interruptor e apaguei a luz.  
Naquela noite, eu havia sido escalado para o plantão e quando cheguei, vi dois colegas discutindo até saírem-na pancadaria. Todo mundo correu para separá-los e nessa mesma hora, chegou um paciente, portador de demência mental, que começou a agredir todo mundo e a arrebentar tudo o que via pela frente.  Então, tudo ficou escuro. Só ouvi aquela quebradeira toda e uma voz que, até hoje, não consegui identificar perguntando:
-Quem apagou a luz?
Para piorar, o gerador estava quebrado!  Apoiei-me no braço de um casal e nos escondemos debaixo de uma maca até a luz voltar. Quando me levantei, percebi que um senhor estava deitado na maca, onde eu havia me escondido, e como ele que não se mexia, toquei, duas vezes, o braço dele, que abriu os olhos.
-Está tudo bem? _ Perguntei.
-Sim. Eu só me fingi de morto, por causa desse doido.
Não vou mentir que fiquei com vontade de abrir o jogo, mesmo sabendo que dedurar um colega não era uma coisa correta. Tenho certeza de que não apenas eu, mas também os demais, fariam a mesma coisa, pois o coronel Feitosa era o sadismo em forma de gente. Entretanto, para a nossa surpresa, os dois deram um passo à frente e confessaram tudo.  Sumariamente, foram punidos: passaram duas semanas sem sair do hospital e fazendo todo o serviço de limpeza.
Papai era macaco velho e sabendo que ninguém lhe contaria o que tinha acontecido utilizou o método de sempre: escolher aleatoriamente um de nós para interrogar. Ana Lúcia foi a escolhida e o velho, com o cinto na mão, perguntou:
-Me diga: aconteceu alguma coisa?
Ela olhou para todos nós e em seguida, observou papai segurando o cinturão e   percebendo que não havia escapatória, encheu os olhos de lágrima e contou, detalhadamente, a briga de Carlos e Pedro.
 Depois de aplicar o corretivo nos dois, papai disse:
-Todos vocês estão de castigo, durante uma semana. Inclusive você. _ Referindo-se a mim.

Justo eu que não fiz nada!   

Conto- Memórias De Um Médico (Parte 1)

Eric do Vale

  
Para Salomão Francisco Rabelo Sampaio

Lá estava eu dissecando um cadáver e encarando aquilo com a maior naturalidade, enquanto alguns colegas começaram a passar mal. Houve até quem desmaiou. A aula de anatomia foi um momento decisivo na minha e não tive dúvida: nasci para aquilo. 
Um ano antes, estava com dezoito anos completados, próximo de concluir o terceiro ano e decidido a prestar vestibular para arquitetura.  Naquela época, não havia internet, por isso a inscrição tinha que ser feita na universidade.  Encontrei-me com o Luiz Fernando, meu colega de escola, que me perguntou:
-Qual curso pretende se inscrever?
-Arquitetura.
-Arquitetura? Por que não tenta medicina?
Honestamente, jamais pensei em ser médico.
 Durante o segundo ano de faculdade, trabalhei, por um período de dois anos, em um cursinho ensinando biologia e por falar nisso, encontrei, dia desses, uma mulher que estudou lá e me disse o seguinte:
-Você se garantia fazendo aqueles desenhos. Lembro-me perfeitamente daquelas células!
O que eu mais gostava de fazer era desenhar, portanto só havia um caminho a seguir: arquitetura.
O Luiz Fernando não parou de me encher o saco:
-Por que você vai querer estudar arquitetura? Faça medicina, homem.
Quando cheguei ao balcão, me inscrevi para o curso de medicina. Assim que souberam dessa minha escolha, a minha família ficou sem entender.
- Meu filho, você está bem? _ Perguntou o meu pai.
-Sim, estou.
-Então, o que foi que aconteceu para você mudar de ideia e se inscrever em outro curso?

Essa pergunta, até hoje, não quer calar. O fato é que eu estudei, passei e, graças a Deus, consegui me formar. E o mais importante: não me arrependo de ter escolhido essa profissão.    

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Artigo- A Bola de Neve (Na Rolançado Tempo)

Eric do Vale

A probabilidade de apanhar torna-se maior, a partir do momento em que se coloca a mão à palmatoria.  Foi assim que aconteceu com a Dilma Rousseff, depois de conceder a Polícia Federal plenos poderes para investigar o poder público.
Desde que a Operação Lava Jato foi desencadeada, somos, diariamente, informados sobre os diversos esquemas de corrupção que permeiam no cenário político nacional e em razão disso, ficamos cada vez mais indignados com os rumos que tudo isso vem tomando.
            Compadeço-me daqueles que são, declaradamente, oponentes do Partido dos Trabalhadores e enchem a boca para culparem o governo atual, postando nas redes sociais mensagens de achincalhamento, por todas as mazelas que vem ocorrendo e dessa forma, vejo-me na incumbência de afirmar que essas pessoas demonstram uma tamanha falta de conhecimento histórico do nosso pais.
Essa afirmação vem a calhar nesse exato momento, quando todos nós tomamos conhecimento de que, nesses últimos dias, foi apurado um esquema de corrupção envolvendo membros do PSDB.
            O que vem acontecendo, nos últimos tempos, não é de responsabilidade exclusiva de uma única gestão, mas sim de várias. Isso que, atualmente, estamos presenciando pode ser comparado a uma bola de neve que depois de adquirir enormes proporções, termina fugindo do controle.           

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Conto- Em Um Tempo Remoto

Eric do Vale 



Durante aula, ouvi alguém dizendo em alto e bom som:
-Lauro Corona morreu.
Era um colega meu, mas ninguém deu atenção ao que ele disse. Pudera, quem ali, naquele jardim de infância, importava-se com aquilo? Acho que somente eu. Em casa, dentro do quarto, escutei o meu pai dizendo para a minha mãe:
-Coronel morreu.
Ele repetiu, mas só foi na terceira vez que eu entendi:
-Lauro Corona morreu.
Corri até a sala, onde os meus pais estavam, e acompanhei, pela televisão, o sepultamento dele. Saímos, em seguida, mas não lembro para onde fomos e perto da hora do almoço, voltamos para a casa. Assisti o noticiário na companhia dos meus pais, antes de ir para a escola. A morte do Lauro Corona foi o principal assunto dos telejornais, daquele dia. 
Naquela ocasião, foi também noticiado o lançamento de um filme publicitário sobre a Aids e que contava com a participação de várias figuras do meio midiático como, Xuxa, Renato Aragão, Chico Anysio, Lima Duarte e dentre outros. Esse comercial passou a ser executado em todas as emissoras televisivas do país, dias depois. Lembro-me que o anuncio começava com o Zico dizendo: “Está na hora de virar o jogo contra a Aids” e encerrava com a frase do Ayrton Senna: “Juntos ganharemos essa parada”. Adorava essa última parte, acho que por causa da enorme admiração que tinha pelo Senna. Todo domingo, eu acordava cedo para assistir as corridas dele.
Passados alguns dias, perguntei a esse meu colega:
- Como você soube que o Lauro Corona morreu?
-A mãe dele me falou.
É claro que não acreditei e prossegui:
-Você foi ao enterro dele?
-Sim.
-Eu também. A Glória Pires e o Alexandre Frota também estavam lá.
- Alexandre Garcia.
-Eu falei Alexandre Frota.
-Mas, o Alexandre Garcia também foi.
Ao ouvir aquilo, entrei no embalo:
-O Ayrton Senna também foi.
-Eu sei, até o Alexandre Garcia perguntou para ele: “Senna, você não quer ir fazer xixi?”.
Rimos um bocado. Agora, lembrando de tudo isso, começo a dar risada.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Conto- Em Vinte Minutos

Eric do Vale

Ao chegar no ponto de ônibus, Dário deparou-se com ela sentada no banco e ficou bastante surpreso. Minutos atrás, tinham se visto na sala de espera, ele puxou assunto, mas não foi correspondido.
Entretida com a televisão, ela comentou alguma coisa sobre o programa que estava assistindo. No máximo, os dois só trocaram umas duas ou três palavras até a recepcionista chamá-lo para a consulta.
Minutos depois, aquilo havia mudado: ela não parava de sorrir e quis saber qual ônibus ele tomaria. 
-Vou para o terminal. _ Falou Dário.
-Eu também.
O ônibus chegou naquela mesma hora e tiveram muita sorte de encontrarem um assunto vazio. Cada um falou um pouco de si. Ele: engenheiro, solteiro e era contador de uma indústria. Ela: divorciada, e professora primaria de uma escola pública.  O que gostavam de fazer nos tempos livres? Ele: praia, cinema e bar. Ela: idem. Onde moravam?
-Divido um apartamento com um amigo. _ Disse Ele.
-Depois que me separei, voltei a morar com os meus pais.
-Qual o seu nome?
-Ruth. E o seu?
-Dário.
Conversaram mais um pouco até chegarem ao terminal.
Ele perguntou se poderia acompanhá-la até a plataforma do ônibus dela e ela respondeu que sim.
-A gente vai se ver de novo? _ Perguntou ela.
-Acho que sim.
-Acha?
-Quer que eu te ligue?
-Sim
Ela disse o número do telefone dela e ele anotou. Quando o ônibus chegou, Ruth indagou:
-Você vai me ligar mesmo?
-Vou sim.
Ela entrou no ônibus e não demorou muito para Dário lhe telefonar.




terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Conto- Andando Na Linha

Eric do Vale

Antes de saírem de casa, os três garotos ouviram atentamente o aviso da mãe:
 -Não peçam nada a ninguém, quando chegarem lá. E se alguém oferecer alguma coisa a vocês, não aceitem. Estamos entendidos?
Eles responderam balançando positivamente a cabeça e ela repetiu:
-Estamos entendidos?
Simultaneamente, eles responderam:
-Sim, senhora.
- É a assim que eu gosto. Agora, vamos_ Abrindo a porta. 
E partiram para mais uma reunião dominical de família e ao chegarem, a dona da casa, provavelmente uma tia, perguntou-lhes: 
-Vocês querem um pedaço de bolo?
-Não, obrigado. _ Respondeu o mais velho.
Os dois irmãos t disseram a mesma coisa, mas a dona da casa não entregou os pontos e continuou oferecendo-lhes outras guloseimas até certificar-se de que eles não queriam comer nada.
Os três bem que gostariam de contrariar a ordem da mãe, mesmo sabendo que, mais tarde, teriam de enfrentar as consequências. Apesar de estarem com água na boca, acharam melhor obedecê-la.
 Passaram-se algumas horas, quando a anfitriã anunciou o almoço e a mãe deles falou:
-Vamos almoçar?
Cada um sentou-se em seus lugares e foram servidos à francesa. A dona da casa perguntou-lhes:
-Querem refrigerante?
Antes que dissessem não, a mãe baixou a guarda:
-Sim, eles querem.
Logo, foram servidos. A mesma coisa aconteceu com a sobremesa e quando voltaram para a casa, a mãe deles falou:
-Gostei de ver. 
Sempre que iam na casa de alguém, ela dizia:
- Caso lhes ofereçam algo, não aceitem.
Nenhum dos três eram insanos de contrariarem aquela enfermeira que apesar de baixinha, tinha muito estômago para lidar com situações escabrosas, durante os plantões do hospital.  Quando faziam alguma coisa errada, tinham consciência de que o castigo seria aplicado instantaneamente.
Ao saber de alguma travessura cometida por um de seus filhos, ela pedia para aquele que cometeu a infração para ir até o quarto dela e pegar o sinto.  Como não havia escapatória, o jeito era obedecê-la. Depois de receber o cinto, ela perguntava:
-Você sabe por que vai apanhar?
-Sim.
-Você acha que é certo isso?
-Não.
-Não? _ Esticando o cinturão.
-Sim.
-E por que você fez aquilo?
            Aquele interrogatório tornava-se tão torturante que, intimamente, suplicavam: “Pelo amor de Deus, dê logo esta cintada”. 

Conto- Parabéns, Mamãe

Eric do Vale

Durante o café da manhã, falou para a mãe que estava arrependido do que havia feito e prometeu que aquilo jamais tornaria a acontecer. Nessa hora, o atual marido dela chegou e disse:
-Meus parabéns!
Ele, então, percebeu que era o aniversário dela e pensou: “Como pude me esquecer?”. Desconcertado, levantou-se e disse:
-Feliz aniversário, mamãe! _ Abraçando-a.
No caminho para a escola pensou: “Como pude esquecer?”. Ele jamais se perdoou por ter esquecido o aniversário dela e prometeu a si mesmo que aquilo jamais iria repetir-se.
Um mês depois, lembrou-se do aniversário do pai e resolveu telefonar, mas não obteve retorno. Ele ainda ligou duas, três, quatro vezes em vão até que a mãe dele falou:
-Esquece, meu filho.
-Esquecer? Mas, é o aniversário dele.
-Engraçado, o dele você lembrou, mas o meu aniversário não.
Além de soar como um tapa nacara, aquilo reforçou mais ainda a promessa que havia feito, no mês passado.
Desde então, ele não mais esqueceu do aniversário dela até que um dia, levantou-se atordoado, porque precisava ir até o Detran para resolver uma documentação do carro.
Vinte e quatro horas antes, ele havia mandado confeitar um bolo para mãe e pensou em ir até a casa dela sem avisar para fazer-lhe uma surpresa e até encomendou umas flores. Antes de dormir, pensou: “Está tudo preparado. Vai ser impossível de esquecer.”. Logo, lembrou-se do que tinha acontecido, anos atrás. Dessa forma, concluiu que não havia a menor possibilidade daquilo acontecer novamente.
Ao acordar, percebeu que estava em cima da hora e foi até o Detran. Resolvido o problema da documentação, voltou para a casa e assim que viu a mãe, cumprimentou. Ele só foi se dar conta de que era o aniversário dela, quando viu os familiares chegando e desejando-lhe feliz aniversário.  Por pouco, ele não enfartou.
Após a confraternização, ele deu uma saída e assim que voltou, trouxe consigo o bolo e as flores que havia encomendado.
-Mamãe, me perdoe. _ Disse ele.  
-Pelo quê?
-Não te dei os parabéns.
-Desencana.
-Nada disso. Eu, ontem, tinha encomendado o bolo e estas flores para a senhora e planejei tudo direitinho. Por que isso foi acontecer comigo?
-Coisa de quem se cobra demais.
Ao ouvir aquilo, sentiu-se mais aliviado e pensou: “Pelo menos, ela sabe que não foi descaso meu.”.    

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Poesia- As Duas Coisas

Eric do Vale

As duas coisas, pode ser.
Pode ser as duas coisas
Pode ser as duas coisas?  
Pode ser as duas coisas.
As duas coisas, pode ser?


Conto- Inconstância

Eric do Vale

Carlos encontrava-se no último ano do curso de medicina e, dentro em breve, noivaria de sua antiga namorada. Depois de ter passado por dois casamentos malsucedidos, Iara, atualmente, dedicava-se exclusivamente ao trabalho de enfermeira, além de esmerar-se na educação de seus dois filhos adolescentes. Por isso, ambos sabiam que era preciso cortar o mal pela raiz.
Não se sabe como e nem quando se conheceram, mas uma coisa era certa: desde o primeiro momento, não se desgrudaram mais. Iara vivia atormentada pela solidão e por isso, o procurava inúmeras vezes, enquanto Carlos encarava aquilo como algo rotineiro. 
Sorte, que vivam em cidades diferentes, mas sempre que podiam, encontravam-se. Carlos, alegando ser escalado para um plantão, ia até a casa de Iara e de lá deslocavam-se para algum bar, cinema, praia e assim, aproveitavam os fins de semana ou feriados até se despedirem e cada um voltar a sua rotina. 
Além dos dois, ninguém mais tinha conhecimento disso. Iara, certa vez, ouviu um comentário de uma amiga sua:
 -Iara, está na hora de você se arranjar.
-Ora, você tem todo o direito de se dar uma chance, Iara. Daqui uns dias, os seus filhos criam asas e você...
Quase que ela abriu o jogo, mas conteve-se.  Carlos também passou por essa provação, quando, depois do plantão, os seus colegas aproveitaram para irem a um barzinho e entre um gole e outro de cerveja, Ivan falou:
-Pessoal, tive de dar um chapéu na patroa para dizer que tenho plantão. Vocês não imaginam como foi difícil. Graças a Deus que ela não é da polícia.
-Sei como é. Ainda bem que a minha mulher está viajando. _ Disse Fernando.
De repente, aquela mesa de bar converteu-se em uma espécie de confessionário misto de divã coletivo, onde todos confidenciavam as suas aventuras amorosas. Carlos foi a exceção, não dizendo uma só palavra sobre a sua vida amorosa, apesar de todos, ali presentes, saberem da devoção dele pela noiva.    
Carlos despediu-se e foi embora.
-Esse Carlos deve ser um otário. _ Disse Ivan.
-Tá na cara que ele é corneado pela noiva, o tempo todo. _Falou Fernando.
Sem dar explicação a ninguém, Carlos foi ao encontro de Iara e a pegou no local de sempre. Antes de irem ao restaurante, ela veio com a mesma ladainha:
-Como eu fui tola em me deixar levar por uma paixão boba!  É preciso terminarmos.
Toda vez que se encontravam, Iara batia nessa mesma tecla dizendo que deveriam colocar um ponto final naquilo.  Carlos, como sempre, concordava e ficava tudo acertado até ela, no dia seguinte, resolver procurá-lo.   Porém, ela insistia:
-Não temos nada a ver, somos muito diferentes.
Ele concordava, mas sabia que tudo voltaria a mesma.
Um Dia, Carlos foi pegar Iara no mesmo local de sempre, quando viu que ela estava acompanhada de uma mulher que, provavelmente, tinha a mesma faixa etária que ele.    Curioso, Carlos quis saber sobre um pouco dela.
-O nome dela é Vitória e ela é noiva, assim como você. _ Falou Iara. Como se estivesse dando-lhe uma cortada.
Carlos procurou saber um pouco mais sobre Vitória e pegou o contato dela no Facebook.  Descobriu que ela estava solteira, ao contrário do que Iara havia lhe dito.  Ele passou a procurá-la e chegaram a sair até que um dia, Iara, por intermédio da própria Vitória, tomou conhecimento disso.
 Iara procurou Carlos e contou-lhe tudo o que sabia e finalizou:
-Não sei onde estava com a cabeça, quando aceitei a me relacionar com você. Há muito tempo que deveríamos ter terminado e sempre digo isso, sempre.   Mas, agora, não tenho mais dúvida: acabou. E te digo mais uma coisa: agradeça a Deus por eu não ter falado nada para sua noiva, pois essa é a vontade que tenho de fazer. Por isso, desapareça da minha vida. Esqueça que eu existe, entendeu?
Carlos foi saindo cabisbaixo por aquela porta, ciente de que tudo havia terminado e com a certeza de que já estava mais do que na hora de colocar um ponto final naquilo. Antes de sair, ele falou:
-Só mais uma coisa...

Aproximou-se dela, olhou-a e deu-lhe um beijo prolongando na boca dela.   

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Conto- Abdicação

Eric do Vale

Quem quer que estivesse no meu lugar, não desperdiçaria o seu precioso tempo para procurar aquela pessoa e dizer-lhe algumas verdades, visto que seria a mesma coisa de falar para uma porta. Bem que eu gostaria de ter agido assim, mas as circunstancias me levaram a tomar um rumo contrário:
-O único elo que nos unia, não existe mais. _ Falei, deixando-me levar pela emoção.
             Recuperei a razão e prossegui:
- Você e eu nunca fomos muito próximos e além disso, somos muito diferentes.
-Diferentes?
-Sim, em tudo.  Mas, não vou e nem quero entrar em detalhes sobre isso. Eu sabia que isso, um dia, haveria de acontecer.
-Sabia?
-Sim, eu sabia.
-Por quê?
-Tinha certeza de que você iria bater o pé dizendo que não achava justo e então, me colocaria na sua lista negra. Nunca precisei e, graças a Deus, não precisarei disso, agora. Por isso, fique.
-Mas, é um direito seu e você pode exigir.
-Mas, não farei e nem precisa me agradecer, porque não estou fazendo nada demais

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Conto- O Último Dia

Eric do Vale


É duro ter apenas duas alternativas
(ficar ou ir embora) e ambas serem terríveis.”
                                                         (Caio Fernando Abreu)

Todo mundo sabia que, dentro de alguns instantes, tudo chegaria ao fim. Fortes emoções são as palavras mais apropriadas para resumir aquelas vinte e quatro horas. Sexta-feira, véspera de carnaval, a única coisa digna a ser feita, naquele momento, era relaxar: tirar os sapatos, despir-se, aos poucos, para tomar um banho gelado e tirar todo o peso daquele clima.
Com os pés no chão e segurando o controle remoto, não parou de mudar de canal até deparar-se com a exibição de Kramer vs. Kramer.  Já havia perdido a conta das vezes que assistiu aquele filme e mesmo assim, quis revê-lo
Finalmente, o tão “esperado” dia chegou. Mesmo desejando não se despedir, sabia que aquilo era necessário. Adeus era uma palavra muito forte, principalmente naquela situação.
A fim de ficar só, dispensou a companhia daquela pessoa, porque tinha certeza de que, assim que se despedissem, nenhum dos dois resistira a emoção. Por isso, inventou uma desculpa qualquer e desceu pelas escadas até seguir o trajeto a pé. Uma miscelânea de sentimentos permitiram com que chegasse à seguinte conclusão: “Acabou”.


Conto- 1º De Fevereiro de 1999

          Eric do Vale 

               Voltar, essa era a única coisa que eu queria. Ao contrário deste que passou, o ano retrasado foi mil vezes melhor.  Ao assistir a reportagem de um homem que inexplicavelmente perdeu a memória, desejei que aquilo tivesse ocorrido comigo.
Durante todo o percurso, eu só pensava em duas coisas: voltar e mudar.   Não fiz outra coisa, senão isso. Possibilitando-me, assim, reforçar a tese de que era preciso, de uma vez por todas, mudar. 

Foi quando escutei aquela música, Sozinho. Muito me impressionou um trecho em que dizia: “Juntando, o antes, o agora e o depois.”. O ano passado jamais existiu e melhor seria, se realmente fosse assim. Infelizmente, tinha que encarar a realidade.  Então, era preciso, revivendo o passado, mas de olho no futuro.  

Conto- A Degola

Eric do Vale  
        


- O Aluísio foi demitido. _ Falou Andrea, ao aproximar-se da mesa de Plínio.
  -Quando foi isso? _ Perguntou Plínio.
 - Ontem, logo depois que você foi embora.
Aquela noticia soou como uma bomba. Três dias antes, Plinio procurou Andrea e disse:
- Como você é mais próxima do Aluísio, acho bom alertá-lo de que o pessoal está de olho nele.
-Eu já sabia disso, antes, e até dei vários toques para ele.
Ao solicitar o seu desligamento, alegando receber uma proposta irrecusável, Plinio falou ao chefe que apesar de ter tido uma boa convivência com os colegas, existia uma queixa de alguns:
-Quem são essas pessoas? _ Quis saber o chefe.
-Prefiro não mencionar nomes.
- É o Marcelo ou o Aluísio.
- Tenho pouco contato com esses dois, porém posso lhe garantir que tive uma amistosa convivência com ambos.
-Então, quem foi?
- Só posso te dizer uma coisa: era mulher.
- Aposto que foi o Trio Ternura.
Esse era o nome do seleto grupo composto por três senhoras distintas que tinham como habito falar mal de todo mundo ali, naquele estabelecimento, além de criar inúmeras intrigas. Recentemente, o trio havia sofrido um desfalque, em virtude do desligamento de uma das integrantes. Embora admitisse que tenha sido uma delas, Plínio achou sensato não revelar quem era. Ele, assim como todo mundo ali daquela empresa, sabia que não era de hoje que a batata de Marcelo estava assando, mas o que muito o impressionava era o fato de Aluísio fazer parte daquela lista negra.
Na concepção de Plínio, aquilo não fazia o menor sentido, porque Aluísio ainda encontrava-se em período de experiência. Essa foi a justificativa mais plausível que ele encontrou, assim que foi informado da demissão desse. Andrea falou:
- Várias vezes, ele tinha sido chamado a atenção, porém continuava comendo os mesmo erros. Eu mesma dizia: “Aluísio, quando tiver dúvida, não hesite em perguntar.”.  Ele, no entanto, afirmava que se virava sozinho e deu no que deu.
- Mesmo assim, eu não achei justo. Tem gente aqui que apesar de trabalharem, há bastante tempo, cometem erros idênticos ou piores. Você e eu sabemos muito bem disso.
Andreia concordou dizendo que o Aluísio teve o azar de trabalhar em um setor onde, o tempo todo, as pessoas observam umas às outras e como se isso não bastasse, ele tinha como parceiro uma pessoa que além de ser despreparada, não era muito confiável.  Ela, então, finalizou:
-Sorte a sua, Plinio, de estar se desligando. Haverá, logo mais, uma reunião com todos os colaboradores e estou certa de que muitas cabeças vão rolar.          

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Poesia- O Presente

Eric do Vale


Aprisionado encontrava-me
No labirinto do passado
Até vir a ser resgatado por ti.

Cá estamos nós a desfrutar
Deste tempo presente
Ao qual por ti eu tive
A honra de ser presenteado
E agora, faço questão de
Retribuir te presenteando.