Eric do Vale
Era
uma tarde de sexta-feira e não me lembro bem como foi que tudo começou, mas
nunca esqueci do que você disse:
-
O Hector diz as coisas na lata. Ontem
mesmo...
De
repente, você se calou e eu perguntei:
-O
que foi que eu fiz, ontem?
-Deixa
pra lá.
Não
dei o braço a torcer e horas depois, te procurei dizendo:
-Sabe,
fiquei muito curioso com o que você comentou, horas atrás. Quer dizer que eu
falo tudo na lata? Por favor, me diga o que foi que aconteceu, ontem.
-A
Sabrina, fresca do jeito que ela é, não quis te dar a mão, quando você a
cumprimentou. Logo, a sua reação foi responder o seguinte: “Fique
despreocupada, porque eu não tenho doença contagiosa.”. Se tivesse um buraco, ela
teria enfiado a cara dela lá.
-E
isso foi bom ou ruim?
-Eu,
pessoalmente, gostei. Aliás, acho isso uma grande virtude.
-Por
quê?
-Porque
você, pelo menos, não finge ser o que é. Você, Hector, não é hipócrita. Mas,
nem sempre devemos ser cem por cento verdadeiros. Na maioria das vezes, ninguém gosta de
escutar as verdades.
Desde
que comecei a trabalhar naquela agência de publicidade, fui tratado como um
intruso e tudo por causa da Leda. O Mike, por influência dela, me procurou e
sem muitas delongas e disparou:
-Hector,
você deve saber onde é o seu lugar, aqui na agência.
-
Eu sei.
-Não,
você não sabe. Desde que começou a
trabalhar aqui, você vem portando-se de uma maneira não muito apropriada para
os padrões dessa firma, emitindo opiniões nas peças publicitárias.
-Sim,
esse é o meu trabalho e pelo que fiquei sabendo, o Daryl gostou da minha
iniciativa.
-É
verdade, ele gostou muito. Porém, a Leda não ficou nada feliz com isso.
-Pelo
que eu saiba, o Daryl é o dono dessa agência, portanto é ele quem dá a última
palavra.
-
Engano seu. Aqui, é a Leda quem dá as cartas.
Só para você ter ideia: o Daryl já teve dois sócios que foram afastados
da agência, em virtude da perseguição direta dela. Um deles, inclusive, sofreu
um AVC, por causa dessa perseguição. É assim que ela joga e quando se aborrece,
joga pesado.
Passaram-se alguns meses e o Mike veio até a
minha mesa dizendo:
-
Eu te disse: “Hector, faça o seu trabalho.”.
Você tinha que interferir na peça publicitária da Suzy!
-O
que é que está havendo?
-O
que está havendo? A Suzy fez a sua caveira para a Leda e o pior é que as duas
são unha e carne.
O
mais surpreendente é que foi a própria Suzy quem pediu a minha ajuda e assim,
eu fiz. Se não tomasse nenhuma iniciativa, seria tachado de preguiçoso.
Confesso que, naquele momento, quase me deixei levar pela emoção e por pouco, não
pedi as contas. Hoje, penso que seria a melhor coisa que eu deveria ter
feito.
A
Leda apresentou uma campanha publicitária para os festejos de fim de ano e em
seguida, falou:
-
Estou aberta a sugestões e digo mais: a opinião de vocês é de suma importância
para mim.
Depois
que analisei tudo com calma, fiz as minhas considerações mostrando-lhe os
pontos positivos e negativos daquela peça. Ela disse que gostou muito das
minhas colocações e o Daryl, mais uma vez, estava de acordo com o que eu havia
falado.
Encontrei
o Mike no sanitário, que me falou:
-Eu
te disse que quando a Leda se aborrece, termina jogando pesado. Esteja certo de
que ela, de agora em diante, não vai te deixar em paz.
Dito
e feito: a partir daquele dia, ninguém, daquela agência, aprovou as minhas
peças, além de não me chamarem para trabalhar em nenhuma campanha.
O
Mike finalizou:
-Tudo
aquilo que você disse, durante a reunião, mexeu com o brio dela. A verdade,
muitas vezes, é dolorosa, por isso ninguém gosta de ouvi-la. Sobretudo, a Leda
que tem um temperamento difícil e como se nada disso bastasse, ela não vai
muito com sua cara, Hector.
Aquelas
palavras fizeram-me recordar de tudo aquilo que você havia me dito, há sete
anos atrás.