sábado, 28 de maio de 2016

Conto- Tapando O Sol Com A Peneira

Eric do Vale


Não era de hoje que o clima naquela casa encontrava-se cada vez mais pesado. Praticamente, não havia diálogo e quando, raramente, isso acontecia, terminavam atritando. Os motivos eram os mais banais que se possam imaginar.
Ao perceber que o bife tinha sido cortado, Judith perguntou para o irmão dela:
- Rafael, você cortou o bife que estava aqui?
-Não.
-Cortou? _ Elevando a voz.
-Sim, cortei.
-Por que mentiu, dizendo que não?
-Porque você é ruim.
Logo, iniciou-se uma interminável discussão. Depois que Rafael saiu, Judith comentou com o marido dela:
-Nelson, o Rafael está bom de levar uma surra daquelas, digna de quebrar as costelas.
Rafael encontrava-se no auge da adolescência e depois que Nelson passou a morar naquela casa, a relação dos dois irmãos definhou-se mais ainda.
Durante uma discussão, Rafael falou para Judith:
-Ah, sua égua!
Judith partiu para cima dele e o estapeou dizendo, aos gritos:
-Seu cachorro, safado, vá embora daqui! Rua!
O rapaz passou dois dias sem colocar os pés naquele recinto. Nelson, por sua vez, colocava mais lenha na fogueira:
-Eu digo para a Judith: esse moleque está se saindo um perfeito vagabundo!
Depois que Rafael chegou completamente chapado, eles não sabiam mais o que fazer. Por isso, o colocaram para fora de casa sob a alegação de que ele tinha se tornado um vagabundo. Até hoje, ninguém entendeu direito o que realmente aconteceu. Mas, Judith e Nelson acham que fizeram a coisa certa. Ledo engano. 

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Conto- Rompendo O Silêncio

Eric do Vale


Até então, eu não entendia direito o que realmente tinha acontecido
-Não fale nada do que você viu, ontem. Se você falar, o seu tio não vai mais te querer aqui, em casa. _ Falou a minha tia.
Obviamente, que acreditei naquilo, haja vista que, naquela época, eu me encontrava no auge dos meus oito anos de idade.
Tio Américo sempre me pareceu uma pessoa engraçada, e era. Principalmente, quando tomava umas cachaças. No entanto, não fugia a regra de todos que exageravam na bebida, tornando-se inconveniente.
Era quase meia noite e depois de ter tomado tudo o que tinha direito, falou para o meu pai:
-Vamos pegar o meu galo.
-Agora? Está muito escuro, por que não fazemos isso, amanhã?
-Não, eu quero agora!
De tanto insistir, partimos todos em comboio rumo aquele brejo e na hora de descer a ladeira, ele caiu sentado.
-Tá vendo aí? _ Disse o meu pai. - Vamos voltar.
-Está bem.
Tio Américo desequilibrou-se e caiu para trás, dando uma cambalhota. Sorte que ele estava bêbado, senão teria quebrado o pescoço. Ainda hoje, dou risada, sempre que me lembro desse fato.
O meu primo, um dia informou ao meu pai:
-O senhor não faz ideia do que aconteceu: tio Américo está todo desorientando.
-O que houve?
- Ele caiu bêbado da bicicleta e o carro quase o pegou. Graças a Deus, só quebrou o braço. Mas, não é só isso: a esposa o deixou. 
Quando fui atingindo a maturidade, escutei o meu pai conversando com um outro familiar nosso sobre o tio Américo:
-Apesar de viverem em atrito, eles nunca se separam. _ Falou o meu pai.
-E o Américo bate nela com frequência.
Ao ouvir aquilo, lembrei-me da vez em que eu estava hospedado na casa deles: devia ser quase dez horas da noite, quando o tio Américo despertou. Ele estava com acara toda inchada, em virtude da queda que sofreu, depois de ter bebido demais.
-Américo, por favor, vá deitar! _ Disse a esposa.
Tio Américo começou a xingá-la, conforme ia derrubando todos os objetos de enfeite da casa. Em seguida, esmurrou a mesa e disse vários palavrões.
-Eu vou te bater.
Graças a Deus, tio Américo não cumpriu com o que prometeu e voltou a dormir.
Jamais comentei com ninguém o que tinha acontecido e depois que fiquei sabendo que ele batia na esposa, tudo ficou muito claro para mim.



segunda-feira, 23 de maio de 2016

Conto- Babú, O Terrível

Eric do Vale


Somos da mesma faixa etária, embora eu seja um pouco mais novo do que o Celso. Por isso, tenho a absoluta certeza de que ele deve se lembrar do Spectreman. Além de ter voltado a minha infância, ao acessar o vídeo de abertura desse seriado, lembrei-me de um conhecido nosso do trabalho.
Mal voltamos do almoço, iniciou-se um sorteio valendo umas cortesias para o show do Chiclete Com Banana. Todo mundo estava na maior euforia e depois de balançar o saco, o primeiro nome a sair foi o do João Carlos. Esse, no entanto, não estava presente e o sorteio continuou. 
Dessa vez, saiu o nome da Sara, mas essa também não estava presente. O sorteio teria continuado, se o Babú não se levantasse da cadeira e dissesse bem alto:
-Nada disso! A Sara vem para cá, hoje. 
Associei aquela cena com a do Karas, inimigo do Spectreman, grunhindo, batendo nos peitos e dizendo: “Spectreman, vou pulverizá-lo.”. Estranho, o Babú sequer estava participando daquele sorteio e encontrava-se quilômetros de distância de nós todos. Mesmo assim, ninguém questionou nada.
Aquilo foi assunto para uma semana:
-Esse Babú é muito intransigente. _ Falou o Celso. – Aquilo que ele fez, ontem, foi de...
- Engraçado, o Paulo Roberto, que faz parte da gestão dele, também não estava presente e quando foi sorteado, o Babú nem se manifestou. _ Eu disse.
-Verdade. É porque a Sara o bajula, por isso aquele babuíno resolveu acabar com a festa.
O Jorge Luiz, como realmente ele se chamava, não era muito bem quisto pelo pessoal da empresa, sobretudo pelos seus subordinados. Apesar de não reportar-se diretamente a ele, o Celso tinha motivos suficientes para não gostar dele e por isso, o apelidou de Babú.  Logo, a nossa turma passou a chamá-lo assim, sempre que nos referíamos a pessoa dele.
Além de nós, tenho a convicção de que ninguém mais da firma sabia desse apelido dele, tão pouco o próprio Jorge Luiz. Eu fico aqui imaginando a reação do Celso, se lhe dissesse que o Babú fez parte da nossa infância.

                 

domingo, 22 de maio de 2016

Conto- Complexo De Inferioridade

Eric do Vale


                Em primeira mão, quero te informar que a nossa “relação” termina, neste exato momento. Já que não complementamos um ao outro, torna-se, ao meu ver, impossível mantermos algum vínculo.
                Horas depois de ter me dito tudo aquilo, você me procurou como se nada tivesse acontecido. Naquele instante, fiz questão de repetir as suas últimas palavras: “Você não sabe, nunca soube e jamais saberá de coisa alguma.”.  Além de ter reafirmado tudo aquilo, você disse que não trocaria mais nenhuma ideia comigo.
Poderia contra argumentar, mas preferi me calar e, aparentemente, consentir com tudo o que me disse, porque não adiantaria de nada dizer o contrário. Provavelmente, você elevaria a sua voz e eu faria mesmo.

Se te dá tanto prazer medir forças comigo, touché.  Sem nenhuma resignação, eu te digo: você venceu. Mas, te peço uma coisa: olhe-se no espelho e, depois, tire as suas próprias conclusões. 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Conto- Muro Da Vergonha

Eric do Vale



Fazia mais de uma hora que aquele senhor de chapéu encontrava-se sentado naquele banco de praça. Ao avistá-lo, o pai que vinha passando com o filho disse:
-Olha lá, o seu avô.
Antes que o filho se entusiasmasse, o pai falou:
-Se ele fosse uma pessoa legal, poderíamos ir até lá e conversar com ele.
Aquilo, para o filho, soou como um soco no estômago, que, imediatamente, lembrou-se de uma situação similar, vivida há alguns anos antes.
Quando viu o avô sentando naquele mesmo banco da praça, foi ao encontro dele e assim que chegou em casa, com o sorriso até as orelhas, falou para o pai:
-Acabei de ver o vovô, lá na praça.
-Não quero conversa com esse homem.
Aquela frase o deixou anestesiado, pois nunca poderia esperar que o pai agisse daquela maneira.
-Também não quero saber de você conversando com esse homem. _ Finalizou o pai.
Desde aquele dia, nunca mais teve um contato com o avô.  
Eles continuaram caminhando até que o filho perguntou-lhe:
- Por que o senhor não gosta dele?
Aquela pergunta foi tão espontânea, que o pai não sabia o que responder.  Percebendo que aquele assunto muito o incomodava, achou melhor não insistir. Então, afastou-se do pai e dirigiu-se até o banco, onde o avô continuava sentado. 

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Conto- Palmatória Do Mundo

(Para ler escutando Retrato de um Playboy)

Eric do Vale


Alexandre acordou com ressaca, devido a bebedeira de ontem e caminhou até a cozinha, onde, aos berros, falou para a irmã:  
-Cadê o meu café?
Melissa pegou o bule e o colocou sobre a mesa.
-Não vai me servir? _ Perguntou Alexandre.
-Você tem duas mãos e eu não sou sua empregada.
Alexandre, como de costume, começou a resmungar falando os mais variados palavrões, a medida em que ia se servindo. Sem deixar-se intimidar, Melissa falou:
-Que papelão! Sabe, Alexandre, você está ficando cada vez mais parecido com o nosso pai, que Deus o tenha. Pensa que é bonito encher a cara e dar vexame? Sem falar de que quando está sóbrio, você é agressivo com todo mundo. Juro por Deus que não consigo entender essa sua revolta.  Por que isso? O Ernesto me contou que, ontem, você esteve no escritório dele e fez o maior escarcéu.
                -Fui procurá-lo para pedir-lhe ajuda.
                -Ajuda? Alexandre, você não tem jeito mesmo! Quantas vezes o Ernesto já te ajudou? Perdi a conta dos inúmeros empregos que ele te arranjou.
                -Empregos? Aquilo tudo eram umas porcarias e tem mais: o Ernesto é um banana.  Sabe o que foi que aquele idiota fez comigo, maninha? Ele me disse o seguinte: “Agora, chega. Dessa vez, não conte comigo para mais nada e se não for pedir demais, esqueça que eu existo.”.
-Está vendo? Até o Ernesto cansou de você.
-Mas, não me dei por vencido e o chamei pra briga. Sabe o que aquele imbecil fez? O Ernesto_ Cuspindo no chão, depois de falar o nome dele.- Pediu para que eu me retirasse, mas não dei o braço a torcer e comecei a xingá-lo. Ele, por sua vez, chamou um segurança e disse: “Faça o favor de acompanha-lo até a porta.”.
- Ele tem muita classe. Sabe qual é o seu problema, Alexandre? É que você gostaria de estar no lugar dele e não adianta ficar nervoso, porque essa é a verdade. Tudo isso que você falou do Ernesto é o seu reflexo.
Alexandre levantou-se, partiu para cima de Melissa, mas foi contido pelo marido dela e, por pouco, não levou um soco desse.
-Não volte mais aqui. _ Gritou o marido de Melissa, depois de segurá-lo pela gola da camisa e o colocá-lo para fora de casa.
Ao deparar-se com um homem que vinha passando na frente dele, o encarou e disse:
-Quer bala?
Como foi ignorado porá aquele homem, Alexandre dirigiu-se até o bar próximo de casa e ao chegar perto do balcão, falou:
-Um duplo.
-Começando cedo. _ Comentou o balconista.

Minutos depois, Melissa ouviu a campainha tocar e quando abriu a porta, assustou-se com aquela cena: o irmão, todo ensanguentado, carregado por algumas pessoas.
-Meu Jesus amado! O que foi isso? _ Perguntou Melissa.

-O seu irmão arranjou uma baita confusão, no bar do seu Emílio.  Por pouco, não foi linchado. O seu Emílio deixou claro que o seu irmão está terminantemente proibido de colocar os pés no estabelecimento dele. Caso contrário..._ Falou um dos homens que foi deixá-lo em casa.


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Conto- Ao Som de Voo Sobre O Horizonte

Eric do Vale


Custamos a crer que havia passado da meia noite, por isso pedimos ao garçom para confirmar as horas. Quem, de nós dois, viu o outro primeiro? De repente, estávamos jogando conversa fora, na medida que íamos degustando uns drinques acompanhado de tira-gostos Aquele dialogo permitiu com que lembrássemos de um tempo que, felizmente, ou infelizmente, não volta mais.
Visto que as lagrimas estavam prestes a jorrarem dos nossos olhos, achamos melhor mudar o direcionamento daquela conversa e passamos a falar de coisas triviais. Nem você e nem eu poderíamos imaginar que, um dia, iriamos nos reencontrar, depois de muito tempo. Por que nos afastamos? Existem duas possibilidades: o tempo ou as circunstancias.
Com um aspecto sisudo, o garçom confirmou: eram duas horas da madrugada. Entramos no mesmo táxi e cochilamos.  Aquele silêncio foi rompido com o rádio cuja estação executou a música Corações e Mentes, dos Titãs. O primeiro trecho daquela canção permitiu que chegássemos a conclusão de que “Alguma coisa aconteceu...”.  
Despertamos no momento em que ouvimos O que foi Feito De Vera, na voz do Gonzaguinha. Logo mais, tenho que me levantar cedo, sabe como é? Você, certamente, também tem os seus afazeres. Será que a gente vai se ver, novamente?


sexta-feira, 13 de maio de 2016

Conto- Incompatibilidade De Gênios

Eric do Vale



Quando eu disse a minha esposa que iria bloqueá-lo, ela contestou:
-Não seja tão duro, Otávio! Você leva tudo muito a sério, homem! Cuidado para não enfartar.
Acalmado os ânimos, percebi que ela tinha razão em dizer aquilo. Porém, minutos depois, reconsiderei a minha decisão, em decorrência dos últimos acontecimentos e comuniquei à minha mulher o que tinha acontecido. 
- Ele perdeu completamente o censo! _ Falou ela.
- Depois, eu é que sou intransigente.
Por que fui aceitá-lo? Desde que me encontrou, nestas redes sociais, eu sabia que era impossível estabelecer uma relação com esse camarada, em virtude das nossas indiferenças. .
Toda hora, ele me enviava uma mensagem em áudio utilizando um linguajar muito vulgar: “E aí, mano? Fala, moleque!”. Ao ouvir aquilo, eu ficava abismado e pensava: “Com quem ele pensa que está falando?”. Além disso, me sentia incomodado com aquelas perguntas invasivas: “Você tem carro?”; “Onde você mora?”, “Onde você trabalha?”; “Você bebe?”.
Um dia, não me contive e o repreendi pela maneira como vinha se portando. Ele, então, impacientou-se:
-Você pensa que é melhor do que eu só porque virou doutor? Eu sei qual é a sua: fala todo bonitinho para me esnobar, porque sabe que eu só estudei até a terceira série e sou um semianalfabeto. Se liga, malandro?           
Constatei, naquele momento, aquilo que, intimamente, eu já sabia: ele não passava de um revoltado. Comumente, o pai dele chegava bêbado, em casa, e investia contra a esposa e os filhos.
Em virtude de toda aquela gritaria, já sabíamos do que se tratava. Por isso, todos nós, da vila, ficamos de prontidão na porta daquela casa, em plena meia noite. Até hoje, não faço ideia de quem acionou a polícia, mas nunca me esqueci do silencio que fizemos, assim que ouvimos a sirene da viatura. Também me lembro do momento em que os policiais entraram naquela casa e saíram de lá levando o pai dele, de cuecas, algemado. 

Eu já tinha desistido da ideia de bloqueá-lo, quando, de repente, ele me enviou dois vídeos pornográficos e, em seguida, encaminhou-me uma mensagem por escrita: “Gostou”.  Aquilo foi o estopim. 

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Conto- Sem Condições

Eric do Vale


Aquela inesperada visita do meu primo, à minha casa, muito me surpreendeu. Mesmo assim, procurei deixá-lo a vontade.
            -Aceita um café? _ Perguntei.
Como não havia respondido a minha pergunta, pedi a copeira que passasse um café.  O tempo todo, me questionei: “Qual a finalidade dele vir me procurar?”. Deduzi que estivesse em apuros, pois era do meu conhecimento que esse meu primo padecia de problemas psicológicos e tomava remédios controlados.
-Você ainda gosta do Raul Seixas? _ Perguntou o meu primo.
-Sim. Gosto sim.
A fim de quebrar aquele gelo, prossegui:
-Sabe, eu, uma vez, vi aquele seu amigo de infância, o Álvaro. A sua mãe arte estava presente, nessa ocasião.
-Ela já faleceu.
-Eu sei.
-Tem dois anos que a minha mãe morreu. E esse meu amigo, atualmente, se chama Ramona.
-Eu sei. Inclusive, quando o vi, nessa época, ele já se chamava Ramona. 
 Olhamos um para o outro e ficamos em silêncio, por um longo período. Caso prolongasse aquele dialogo, falaríamos sobre o Álvaro. Certamente, comentaríamos: “Veja só, justo o Álvaro! Que coisa, não?”.
-Você está zangado comigo? _ Perguntou o meu primo.
-Eu? Por quê?
-Você nunca mais falou comigo.
-Nada disso. É essa minha rotina: trabalho, esposa e filhos. Você entende?
-Entendo sim. Sabe, eu me lembrei da última conversa que tivemos: você me perguntou sobre o que eu achava daquele nosso primo, o Adilson.
- É verdade.
-Ele é muito esquisito.
-Como assim?
O meu primo tinha razão em afirmar aquilo. Honestamente, nunca me simpatizei com o Adilson, porque o achava muito esnobe e insociável. Tais características permitiram com que ele não fosse bem quisto pelos demais familiares.
Lembro-me de que, uma vez, o Adilson, sem mais e nem menos, me disse:
--Por que você não vai na privada e pega um saco de...
Imediatamente, mandei ele ir... O Adilson, obviamente, não deixou barato:
-Quem xinga tem parte com o diabo.
Ele sempre gostou de manifestar essa veia puritana, em virtude da formação protestante dos pais.  Ao me recordar de tudo isso, constatei que o Adilson sofria de algum complexo de inferioridade. Depois que apresentei o meu ponto de vista em relação a ele, o meu primo, que falou:
-Não tem nada a ver com isso tudo que você está falando, refiro-me ao comportamento dele: fica difícil saber se ele é homem ou não, pois tem um jeito muito efeminado.
Lembro-me que, certa vez, alguém da família especulou sobre a orientação sexual do Adilson, mas não dei importância porque fazia muito tempo que não tinha contato com ele.
-É isso que eu vejo nele. Até agora, não casou e nem tem namorada... Você há de convir que isso tudo gera muita suspeita. _ Disse o meu primo.
-Em relação a isso que você está me dizendo, não posso emitir nenhuma opinião. Além do mais, isso é um assunto muito delicado.
-Tudo o que você falou faz sentido e estou de acordo. Mas, o que quero te dizer é que ele é estranho.  Você me perguntou o que eu achava dele, está lembrado? _ Levantando-se - Acho o Adilson muito efeminado e eu não sou único a pensar assim: todo mundo da família também acha isso, mas ninguém tem coragem de dizer isso. Você é um deles.
-Eu?
-Pensa que eu sou idiota? _ Alterando a voz- Não sou nenhum moleque! – Posso ter mens estudo do que você, mas não sou burro!
Ao chegar com a bandeja de café, a copeira presenciou tudo e assim como eu, ficou sem entender nada.
-Você só sabe falar bonito, mas o seu conhecimento de vida é zero! Passei quinze anos correndo o mundo. Quinze anos não são quinze dias! _ Disse o meu primo.  
Em seguida, caminhou em direção a porta e quando foi abri-la, deparou-se com a minha esposa e foi embora.
-O que foi que deu nele? _ Perguntou a minha esposa.   

-Eu é que sei?  

domingo, 8 de maio de 2016

Conto- Indiferença (Conjunto Da Obra)

Eric do Vale



- Por que nos excluiu?
- Como posso manter contato com alguém que não tem um pingo de consideração comigo?  Nem precisam me dizer nada, pois já conheço as suas desculpas. Nada do que me disserem vai me fazer mudar de ideia. Lembra-se de quando visitei vocês, pela última vez? Assim que cheguei, vocês me falaram: “Não repare na bagunça. Ontem, promovemos uma festa.”. Meu Deus do Céu, eu marquei aquela visita na casa de vocês com dois dias de antecedência! Mesmo me vendo chegar, vocês não me ofereceram um pedaço de bolo e nem um copo com água. 
-Mas, não tinha. O pessoal havia comido tudo.
-Eu sei.
-Como é que você sabe?
-Essa sempre é a justificativa de vocês.
-Em relação a festa, não te chamamos porque...
- Por favor, não se justifiquem. Querem saber de uma coisa? Aquilo possibilitou que eu abrisse os meus olhos em relação a vocês.
 -É assim? Também não esquecemos o que você fez conosco.
- - Aquilo foi mais um aditivo para que eu, de uma vez por todas, me afastasse de vocês, pois não queria ser mais um, de tantos outros, que passaram e vivem passando vocês para trás. Comumente, vocês, por uma razão qualquer, terminam atritando com alguém e o argumento é sempre o mesmo: “Aprontaram com a gente.”. Por isso, decidi me afastar de vocês.

sábado, 7 de maio de 2016

Conto- Tormento

Eric do Vale


Andei de um lado e para o outro, com o celular na mão, me perguntando: “Ligo ou não ligo?”.  Se eu telefonasse, alegaria que estava ligando para desejar-lhe feliz aniversário. Coloquei o celular sobre a mesa, fui até a cozinha e tomei um copo com água.  Tenho plena consciência de que assim que eu me identificasse, ela levaria um grande susto, porque fazia muito tempo que não nos víamos e naquela época, o nosso contato era muito restrito Um dia, porém, resolvi procurá-la por estas redes sociais até que a encontrei.
 Enviei-lhe uma solicitação de amizade e terminei sendo aceito. Ao saber que ela estava fazendo aniversário, enviei, in box, uma mensagem desejando-lhe parabéns. Não tardou muito para que ela me respondesse dizendo “muito obrigada”. Pensei, naquele instante, em aproveitar a deixa para iniciar algum dialogo, mas desisti da ideia. O é que eu diria? E não era só isso, como disse: nunca fomos muito próximos.
Duas semanas depois, me deparei com uma mensagem dela: “Vi você, ontem, no shopping.”. Passamos a conversar quase que diariamente, mas nenhum de nós, até então, chegou a telefonar um para o outro. Por quê? Não sei. Minto, sei sim: receio. 
Um ano depois de ter-lhe enviado aquela mensagem de parabéns, tomei a iniciativa de repetir o gesto, mas, dessa vez, via telefone. Chamou, chamou até cair na caixa postal. Provavelmente, deve estar comemorando, por isso achei melhor ligar depois.
             No dia seguinte, com o telefone em mãos me questionei se estava agindo certo e antes que chegasse a alguma conclusão, já tinha discado o número. O resultado foi o mesmo, do dia anterior. Porém, não me dei por vencido. Insisti, mas duas vezes até que ela atendeu:
-Alô. _ Disse ela.
Senti um frio na barriga e a chamei pelo nome, mas, pelo jeito, ela não ouviu e insistiu:
-Alô?

Então, desliguei. 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Conto- Presságio

Eric do Vale



A saúde, aos poucos, vinha definhando, em virtude da idade avançada. Sempre que entrava em contato com algum parente, perguntava:
-Quando é que você vem me visitar?
- Em breve.
Esse “em breve” tornou-se longínquo. Contudo, a esperança de revê-lo emergia cada vez mais. E ele insistia:
-Quem quiser me ver, venha logo. Dentro em breve, voltarei para o ribeirão, onde nasci. 
Quem poderia imaginar que ele fosse viver tanto tempo? Quando jovem, foi muito boêmio e havia quem dissesse: “Não vai durar muito tempo”. Aqueles que fizeram tal previsão terminaram sendo enterrados por ele.
Depois de receber alta, foi visitado por um de seus irmãos e quando esse já estava de saída, falou:
-Fique mais um pouco.
-Não dá, já está muito tarde.

E foi embora... Um ano depois, é que eles foram se reencontrar. Por isso: “As pessoas não morrem ficam encantadas”. 

Conto- Lacuna



Eric do Vale



Sorridente feito uma criança sapeca; séria que nem uma delegada de polícia. Essas duas imagens me vieram em mente, assim que escutei Pais e Filhos, do Tim Maia. Por que ela recuou? Quando me perguntou se tinha chance comigo, fiquei sem graça. Era eu quem deveria ter tomado a iniciativa.
-Infelizmente, não. _ Disse ela alterando a voz.
-Não fale alto comigo.
-Esse é o meu jeito. Caso não goste, pode ir embora.
- Não vou embora coisa nenhuma! Nunca pensou em ser policial?
-Sim, mas a minha baixa estatura...
-Você não faria feio, se fizesse parte da polícia.
Então, começamos a rir.
Com quinze anos, eu era um meninão que só pensava em jogar bola. Ela, por sua vez, precisou amadurecer logo, porque tornou-se mãe muito cedo. Com dois filhos, frutos da segunda relação, ela resolveu “fechar-se para o amor”.
Ao sair daquele apartamento, me questionei: “É o começo ou o fim?”. Tinha esperanças de prosseguir com aquilo
Logo que nos conhecemos, disse-lhe que me encontrava em umas situação financeira muito difícil e ela me surpreendeu:
-Não estou à procura de riqueza.
Decidido a levar aquela relação adiante, concluí: “Se for preciso, eu trabalho até de gari”. Mas, nem tudo ocorreu como eu desejava.
Um dia, ela me procurou e disse:
-Desculpe, por ter sido grossa com você. _ Falou ela.    
-Deixa pra lá.
-Realmente, me fechei para o amor. Mas, conheci uma pessoa maravilhosa que me disse que estará sempre comigo para o que der e vier.
-É? _ Perguntei meio murcho.
-Estou me referindo a você. 


Poesia- Busca

Eric do Vale


Querendo
Acertar
Errei
Sem querer
Errar
E errando
Vou tentando
Acertar.