Aquela
inesperada visita do meu primo, à minha casa, muito me surpreendeu. Mesmo
assim, procurei deixá-lo a vontade.
-Aceita um café? _ Perguntei.
Como
não havia respondido a minha pergunta, pedi a copeira que passasse um café. O tempo todo, me questionei: “Qual a
finalidade dele vir me procurar?”. Deduzi que estivesse em apuros, pois era do
meu conhecimento que esse meu primo padecia de problemas psicológicos e tomava
remédios controlados.
-Você
ainda gosta do Raul Seixas? _ Perguntou o meu primo.
-Sim.
Gosto sim.
A
fim de quebrar aquele gelo, prossegui:
-Sabe,
eu, uma vez, vi aquele seu amigo de infância, o Álvaro. A sua mãe arte estava
presente, nessa ocasião.
-Ela
já faleceu.
-Eu
sei.
-Tem
dois anos que a minha mãe morreu. E esse meu amigo, atualmente, se chama
Ramona.
-Eu
sei. Inclusive, quando o vi, nessa época, ele já se chamava Ramona.
Olhamos um para o outro e ficamos em
silêncio, por um longo período. Caso prolongasse aquele dialogo, falaríamos
sobre o Álvaro. Certamente, comentaríamos: “Veja só, justo o Álvaro! Que coisa,
não?”.
-Você
está zangado comigo? _ Perguntou o meu primo.
-Eu?
Por quê?
-Você
nunca mais falou comigo.
-Nada
disso. É essa minha rotina: trabalho, esposa e filhos. Você entende?
-Entendo
sim. Sabe, eu me lembrei da última conversa que tivemos: você me perguntou
sobre o que eu achava daquele nosso primo, o Adilson.
-
É verdade.
-Ele
é muito esquisito.
-Como
assim?
O
meu primo tinha razão em afirmar aquilo. Honestamente, nunca me simpatizei com o
Adilson, porque o achava muito esnobe e insociável. Tais características
permitiram com que ele não fosse bem quisto pelos demais familiares.
Lembro-me
de que, uma vez, o Adilson, sem mais e nem menos, me disse:
--Por
que você não vai na privada e pega um saco de...
Imediatamente, mandei ele ir... O Adilson, obviamente, não
deixou barato:
-Quem xinga tem parte com o diabo.
Ele sempre gostou de manifestar essa veia puritana, em
virtude da formação protestante dos pais.
Ao me recordar de tudo isso, constatei que o Adilson sofria de algum
complexo de inferioridade. Depois que apresentei o meu ponto de vista em
relação a ele, o meu primo, que falou:
-Não tem nada a ver com isso tudo que você está falando, refiro-me
ao comportamento dele: fica difícil saber se ele é homem ou não, pois tem um
jeito muito efeminado.
Lembro-me que, certa vez, alguém da família especulou sobre
a orientação sexual do Adilson, mas não dei importância porque fazia muito
tempo que não tinha contato com ele.
-É isso que eu vejo nele. Até agora, não casou e nem tem
namorada... Você há de convir que isso tudo gera muita suspeita. _ Disse o meu
primo.
-Em relação a isso que você está me dizendo, não posso
emitir nenhuma opinião. Além do mais, isso é um assunto muito delicado.
-Tudo o que você falou faz sentido e estou de acordo. Mas, o
que quero te dizer é que ele é estranho.
Você me perguntou o que eu achava dele, está lembrado? _ Levantando-se -
Acho o Adilson muito efeminado e eu não sou único a pensar assim: todo mundo da
família também acha isso, mas ninguém tem coragem de dizer isso. Você é um
deles.
-Eu?
-Pensa que eu sou idiota? _ Alterando a voz- Não sou nenhum
moleque! – Posso ter mens estudo do que você, mas não sou burro!
Ao chegar com a bandeja de café, a copeira presenciou tudo e
assim como eu, ficou sem entender nada.
-Você só sabe falar bonito, mas o seu conhecimento de vida é
zero! Passei quinze anos correndo o mundo. Quinze anos não são quinze dias! _
Disse o meu primo.
Em seguida, caminhou em direção
a porta e quando foi abri-la, deparou-se com a minha esposa e foi embora.
-O que foi que deu nele? _ Perguntou a minha esposa.
-Eu é que sei?