“Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água.”
(Chico
Buarque: Gota D`Água)
Ao encontro deles dirigiu-se Eliseu,
que foi logo dizendo:
– Ainda bem que vocês
chegaram!
– Eliseu Simões? _ Perguntou um dos
homens.
– Sou eu mesmo. Podemos
ir?
Ele
se deixou algemar e ser conduzido até a viatura, antes mesmo de receber voz de
prisão. Todo mundo, naquele momento, deveria estar viajando ou cantando “Noite
Feliz”, mas os jornais, no dia seguinte, noticiariam: “Homem Executa Família a
Tiros, Durante A Ceia De Natal”.
A
vizinhança haveria de lembrar-se das inúmeras vezes em que a polícia foi
acionada, em função das constantes brigas do casal e, provavelmente, diriam:
“Eu sabia que isso terminaria assim.”.
Não
era de hoje que Eliseu desconfiava da infidelidade de sua esposa. Ao flagrá-la
conversando, as escondidas, no celular, ele foi até o quarto, pegou o seu
revólver, carregou-o e retornou para a cozinha. Finalizada a ligação,
colocou-se diante dela e não balbuciou nenhuma palavra, deixando-a aflita:
–
O que você quer? _
Perguntou ela.
Ele
permaneceu parado, sem dizer nada, impedindo a passagem dela, que gritou:
– Me deixe em paz!
– Você vai ficar em paz.
_ Apontando a arma para
ela.
Uma
bala acertou o coração, antes mesmo que ela tivesse a chance de gritar por
“socorro” ou pedir “clemência”. Após dar cabo na vida da sua esposa, Eliseu fez
o mesmo como sogro, a sogra e o cunhado.
Um
misto de frieza e serenidade transparecia em sua face, à proporção que o seu
depoimento era tomado. Ciente de que, horas antes da ceia começar, os dois
tiveram uma séria discussão, o delegado quis saber o motivo e Eliseu desabafou:
–
É uma pergunta que eu não vou saber te responder, porque brigávamos por tudo, o
tempo todo. Não me lembro de nenhuma vez, nesses dez anos, que tenhamos ficado
sem brigar, pois isso fazia parte da nossa rotina.
– Nunca pensaram em se
separar?
– Até que tentamos, mas
não deu certo.
– Por que não deu certo?
– Outra pergunta que eu
não vou saber te responder.
Possuidora
de um temperamento hostil, ela estava sempre em atrito com os vizinhos,
agredindo-os física e verbalmente, conforme registrados nos Boletins de
Ocorrências. Até o seu marido abriu uma queixa contra ela, por ter esfaqueado o
braço dele.
Constantemente,
ela o humilhava, chamando-o de imprestável e desprezível sem se importar com a
presença de terceiros, ao ponto de cuspir-lhe na face. Os familiares dela, por
sua vez, intervinham em seu favor, deixando-o em uma posição vulnerável.
Consumado
o assassinato, Eliseu tomou um cálice de vinho tinto, jantou e logo em seguida,
discou para a polícia:
– Alô, gostaria de fazer
uma denúncia.
– Pois não.
– Houve um crime, aqui
na rua... Edifício... Número...
– O que aconteceu?
– Matei a minha mulher,
meu sogro, minha sogra e o meu cunhado. Estou esperando por vocês na portaria,
tenham boa noite e um FELIZ NATAL!