Eric do Vale
Não conseguia entender
e procurava afastar tal ideia-
falsa, anormal, mórbida-
valendo-se de outras sensatas e sadias.
Mas aquela ideia, ou melhor,
aquela realidade ,voltava
para
enfrenta-lo.
(Leon Tosltoi: A Morte de Ivan Ilichi)
Estes
quinze dias foram bastante carregados para a nossa família e sendo assim, peço
a Deus para que não haja enterros e velórios, por um bom tempo! Voltávamos do
culto, naquele domingo, e decidimos dar um pulo na casa do irmão do meu pai
que, há pouco tempo, tinha recebido alta. O meu tio ficou muito feliz em nos
ver e conversamos bastante. Quando nos despedimos, ele falou:
-Fiquem
mais um pouco.
Ninguém
poderia imaginar que, 48 horas depois, o meu pai não mais estaria entre nós. Os
meus irmãos, até agora, tentam encontrar uma resposta para isso, enquanto eu
prefiro acreditar que essa tenha sido a vontade de Deus.
Quinze
dias depois dessa visita, sai do hospital rumo à casa da minha irmã e lá fiquei, por algumas horas.
Restava-nos, apenas, aguardar o derradeiro desfecho, pois o médico informou que
não havia mais nada a fazer pelo marido de minha mãe. Não era de hoje que a saúde dele vinha definhando:
preso a uma cama e impossibilitado de falar e andar, corríamos, a todo o
instante, com ele para o hospital.
Em
contrapartida, o meu pai possuía uma saúde de ferro. Um dia, o meu
irmão e eu ficamos de apanhá-lo na casa da nossa irmã para comemorarmos o dia
dos pais, quando o porteiro interfonou avisando que ele estava subindo. A
priori, pensamos que a nossa irmã o havia deixado, no entanto fomos informados
de que ele saiu da casa dela e tomou o ônibus sozinho. Era de se espantar que
alguém beirando os noventa anos tivesse aquela disposição toda e estávamos
convictos de que ele chegaria a essa idade. Se duvidasse, era capaz de
completar um século de vida.
Quando
jovem, julguei muito as atitudes dos meus pais, mas a maturidade permitiu com
que eu revisse os meus conceitos e percebesse o quanto foi árdua a vida deles:
casaram-se muito jovens, migraram para a capital com cinco filhos pequenos e
com muito sacrifício, conseguiram educar a nós todos. Depois de muitos anos
casados, decidiram se separar.
Sem
pretender casar novamente, o meu pai foi morar com os filhos. Ora comigo, outra
com os meus irmãos. Nada mais justo, pois essa era a forma de retribuirmos o
que ele havia feito por nós.
Durante
o velório do marido de minha mãe, pensei como foi muito penoso para ela cuidar,
o tempo todo, dele e constatei que ela é uma mulher de muita fibra, pois, nesta
vida, a minha mãe já suportou muita coisa até mesmo a perda de dois filhos.
No
ano passado, estávamos no enterro de um parente nosso, quando o meu pai falou:
-Eu
serei o próximo.
Logo o censuramos.
Esse fato permeou em minha memória, assim que cheguei em casa, após o
sepultamento do marido da minha mãe.
Após visitarmos o
meu tio, o meu pai falou que era muito provável que, dentro em breve, não
estivesse mais conosco. Obviamente, ninguém lhe deu ouvidos, então a minha
filha falou:
-Vocês
não estão prestando atenção no que o meu avô está dizendo!
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