Eric do Vale
“Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: ´Muito obrigado
São
palavras que ainda te deixam dizer,
Por
ser homem bem disciplinado´”
(Gonzaguinha: Comportamento
Geral)
O professor perguntou:
-O que Darwin pregava?
-Que o
homem descendia do macaco. _ Eu
respondi.
-Está errado. _ Disse ele
secamente. – Charles Darwin nunca disse isso.
Aquele comentário dele
apresentava uma certa soberba.
-Darwin afirmava que as espécies
eram oriundas de seres primitivos. _ Disse o professor.
A turma permaneceu em silêncio,
conforme era do gosto dele e, em seguida, finalizou:
- Jornalistas distorcem
informações.
Encarei aquilo como uma indireta,
visto que era do conhecimento dele e de todo mundo da classe o meu desejo de me
tornar jornalista.
Minto, aquilo não foi uma
indireta coisa nenhuma, pois ele, no ano seguinte, chegou na sala trazendo uma
revista especializada em ciência e que segundo as palavras dele: “colocava no
chinelo qualquer Veja da vida, pois era escrita por cientistas e
não por jornalistas.”.
Estávamos, naquela época, nos
primórdios do século XXI. Ele, no entanto, orgulhava-se de ser um remanescente
da “tradicional educação” com direito à palmatoria.
Sempre que um aluno chegava no
meio da aula, ele, ironicamente, falava em alto e bom som:
- Com licença, professor.
Todo mundo deveria estar inteirado
na aula dele e ai de quem não dançasse conforme a música.
Ao vê-lo dentro do ônibus, um de
seus alunos alardeou:
- Professor, o senhor anda de
ônibus!
No dia seguinte, quando ele colocou
os pés na sala, uma voz, vinda lá de trás, falou:
-Siqueira Papicu!
Imediatamente, dirigiu-se para o
rapaz com quem havia se encontrado no ônibus e ordenou:
-Para fora.
-Por quê?
-Para fora.
-Mas, eu não disse nada.
-Para fora.
Então, o “verdadeiro culpado”
manifestou-se:
-Fui eu quem disse, professor.
-Para fora os dois.
Se ele era “carne de pescoço”, as
provas dele ...
Ciente do meu péssimo desempenho
escolar, sobretudo na disciplina que ele ministrava, esse professor, sempre que
me via, fazia terrorismo:
-Trate de estudar, porque você
está jurado a repetir de ano.
Creio que ele nutria um desejo de
me reprovar, não sei por quê. Tenho certeza disso, pois lembro-me perfeitamente
quando me viu chegando, no primeiro dia de aula, e falou:
- Você conseguiu passar, o
Conselho de Classe ajudou.
Eu tinha que aguentá-lo por mais
um ano! Era preciso manter a cabeça fria e, na medida do possível, ignorar
aquelas “piadinhas” dele, visto que, naquele momento, encontrava-me no terceiro
ano do Ensino Médio.
Um dia, ele reparou que eu estava
disperso e, em tom de deboche, perguntou:
-Escrevendo “bilhetinhos”?
-Por que não cuida da sua vida?
Não sei o que deu em mim para
dizer aquilo. Tentei remediar, mas ele, é claro, não aceitou. Eu sabia que não
tardaria muito para aquele incidente chegar aos ouvidos do coordenador, porque
esse professor, há tempos, vinha arrumando uma forma para me degringolar.
Se ele era intragável, o
coordenador, então... Uma vez que um aluno lhe “fazia uma visita”, era mandado
para a casa sobre agravante de suspensão; caso aquilo se repetisse, era
suspenso e advertido de transferência.
Como eu não tinha para onde
correr, atirei-me na “toca do leão”.
Depois de relatar tudo o que havia acontecido, o coordenador falou:
-Fique tranquilo, volte para a
sala e deixe que eu falo com ele.
Sete dias depois, o professor,
durante a aula, comentou sobre a morte de um ex-aluno que foi baleado por um
vigia, quando tentava pichar uma loja. Mesmo lamentando a morte do rapaz, disse
que o vigia agiu certo.
-Pichação é crime! _ Disse ele.
O professor aproveitou a ocasião
para falar mal do movimento dos Sem- Terra classificando-os como vândalos. Pelo
jeito, ele estava mais descompensando do que nunca; mas o que me chamou a
atenção, naquele dia, foi o comportamento dele comigo: além de não ter feito
nenhuma “piadinha”, tratou-me como se eu não existisse. E, assim, ocorreu
durante o resto daqueles meses.
Cheguei
a pensar que aquilo fosse coisa da minha cabeça, mas só fui me certificar de
que não estava enganado, quando ele falou sobre a tal revista especializada em
ciências e perguntou:
-Alguém aqui pretende fazer
vestibular para jornalismo?
Eu fui o único que me manifestei
levantando a mão, porém ele não deu importância e falou para a turma
- Os jornalistas distorcem as
informações.