quinta-feira, 2 de maio de 2013

Conto - Do Outro Lado da Linha



 Eric do Vale


Em transe ficou doutor Navarro, após atender ao telefone. Desligou-o num rompante, assim que a esposa apareceu. Curiosa, ela indagou:
- Quem era?
- Engano.
Mal chegou no seu consultório, no dia seguinte, perguntou a sua secretária:
-Alguém me procurou?
- Não, doutor.
-Ninguém?
- Ninguém.
 - Ninguém mesmo?
- Só os seus pacientes...
- Fora eles?
- O doutor Cláudio, doutor Julião...
- Além desses, ninguém mais?
-Não. Ninguém, por quê?
-Esquece.
Mesmo se fazendo de rogada, ela achava esse comportamento esquisito. Tal pergunta era feita por ele a toda hora e em qualquer lugar que fosse: no hospital militar, na escola de medicina e até mesmo em casa. Isso já estava virando uma paranoia.

Em casa, certa vez, quando a sua esposa foi atender ao telefone, doutor Navarro saiu do escritório, tomou-o da mão dela e disse:
-É pra mim.
Desconcertado, tirou-o do ouvido e entregou para a sua esposa:
-É pra você.
Acreditando que tudo aquilo era fruto do excessivo trabalho, ela sugeriu-lhe tirar umas férias e viajar para espairecer um pouco. Como um bom marido, doutor Navarro ouviu o seu conselho e durante um mês viajaram para a Europa.
Quando voltou, ele era uma pessoa extremamente leve. Tudo corria bem até que um dia, ele perguntou a sua secretária:
- Tem certeza de que ninguém veio me procurar?
-Claro que sim, doutor.
Ele repetiu essa pergunta pouco antes de ir embora, ao ponto dela perder a paciência:
-O senhor está duvidando da minha competência, doutor Navarro?
-De jeito nenhum.
- Só hoje, o senhor me perguntou isso umas cinco vezes! Fora os outros dias!
Ele desculpou-se e prometeu não mais importuná-la com aquela pergunta. Quando chegou em casa, tomou um banho, foi jantar e não balbuciou nenhuma palavra. Assim que todos foram dormir, o telefone tocou. Doutor Navarro foi até o gabinete e atendeu:
- Alô
-Doutor Navarro!
-Você?
-Doutor Navarro...
 Colocou telefone sobre a escrivaninha, levantou-se e voltou a se sentar, mas não o pôs novamente no ouvido. Um estampido rompeu o silêncio daquela madrugada, despertando a todos. Doutor Navarro estava com o rosto sobre a mesa numa enorme poça de sangue. O telefone encontrava-se fora do gancho e ainda era possível ouvir uma voz do outro lado da linha. A empregada pegou o telefone e falou:
- Alô.
-Doutor Navarro, doutor Navarro!
-Quem é?
Ouviu-se um som de uma pancada seguido do ”tum tum tum”.






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