- Doutor Adailton, somente o senhor
e a sua falecida esposa sabem exatamente o que aconteceu, ontem. - Falou o
delegado.- Portanto, é fundamental que o senhor torne as coisas mais fáceis.
- Como assim? O que é que o senhor
está insinuando? Eu não matei minha mulher!
-Eu não falei isso, apenas estou
aconselhando-o a dizer exatamente o que aconteceu, só isso.
-Eu já disse tudo.
-Está bem, mas fique sabendo que as
investigações vão continuar e dependendo de como tudo acontecer, o senhor será
chamado para depor, novamente.
Nua
e crivada de balas, essa foi à dantesca imagem de sua mulher, levando-o jogar a
arma no chão. A polícia foi acionada pelo próprio Adaíton, que chegou
acompanhada de alguns jornalistas, dos quais faziam parte Zeca e João Grande.
Adaílton Jardim, um homem alto, magro e calvo,
vestindo um terno azul marinho, e com a aparência de ter mais de quarenta anos,
porém bem conservado. Deixou a sala do delegado, após interrogatório, e evitou
falar com os jornalistas.
Antes
de voltarem ao jornal, João Grande e Zeca perguntaram a um dos detetives se
havia alguma possibilidade do crime não ter sido passional e esse respondeu:
-Acho pouco provável. Por mais que o
marido negue, todo mundo sabe que ele é corno.
-Convenhamos, quem é que gostaria de
se expor assim e nessas condições?
-É complicado! Eu diria que essa é a
situação mais difícil para qualquer ser humano. Por isso, trabalhamos na
hipótese de ter sido crime passional, mesmo que o marido diga que não. Ele era
a única pessoa presente naquela casa, além da esposa dele.
Adaílton
avisou a Solange que viajaria para Brasília a fim de tratar de alguns assuntos,
mas antes daria um pulo em Belo Horizonte, alegando visitar a mãe dele. Ela não
ligou muito, aliás Solange, ultimamente,
vinha se mantendo alheia a ele. Raramente dialogavam e quando isso
ocorria, culminava em discussões. Os motivos eram os mais banais: fosse o
excesso de trabalho dele, a ausência dela em alguns eventos. O casal só se
encontrava na hora do café da manhã e do jantar, mesmo assim não se
cumprimentavam nem mesmo com um “Olá”, um “Bom dia” ou “Boa Noite”.
Ao
agradecer as informações, João Grande e Zeca voltaram para a redação, o
editor-chefe afirmou que esse crime deveria estar destacado na primeira página
do dia seguinte. Logo que o editor voltou para a sua sala, Zeca diz para João
Grande:
-Engraçado,
como um assassinato de uma socialite ganha mais destaque, enquanto uma garota
de programa que também foi assassinada...
-Bem
vindo ao mundo.
-Sabe
de uma coisa, eu fico aqui me perguntando: como é que o doutor Adailton Martins
foi se envolver nisso?
Solange
nem fez questão de deixar o marido no aeroporto, inventou uma desculpa e ele
pegou um taxi. Não era de hoje que ele suspeitava do comportamento misterioso
de sua mulher. Mentiras e contradições fizeram-no crer piamente de que ela
tivesse algum amante. Além do mais, Solange nunca foi de rejeitar sexo e ela,
ultimamente, vinha manifestando certa aversão sexual a pessoa dele. Adaílton
logo cogitou contratar um detetive particular para seguí-la, porém achou
sensato não fazer isso, pois acreditava que tudo aquilo não passaria de uma
breve turbulência atravessada por qualquer casal.
Avistou
o carro de sua esposa estacionado, pegou o seu revólver e entrou na casa.
Caminhou a passos leves para se certificar de que não havia ninguém naquela
casa. Subiu devagar as escadas e andou
em direção ao seu quarto, percebendo a porta do banheiro aberta e som do
chuveiro, Adaílton resolveu entrar.
Zeca
e João Grande fizeram a alusão da morte de Solange com a cena do filme Psicose. Nesse mesmo dia, os dois
jornalistas foram informados por uma colunista social, funcionária do mesmo
periódico que eles, ter conhecido a vitima.
Após uma breve carreira de modelo tornou-se atriz até conhecer o doutor
Adaílton Jardim e como ele se casar. De atriz, ela passou a ser socialite,
frequentando as festas, os points mais badalados da cidade e aparecendo nas
colunas sociais, fosse acompanhada do seu marido ou não. Impossível dela não
ser notada: corpo bem feito, pele alva, cabelos lisos pretos e com aqueles
olhos verdes, Solange Jardim era o objeto de desejo para qualquer homem. Não
era a toa que o doutor Adaílton, nos últimos tempos, desconfiasse de sua
esposa.
Solange
mal havia sido sepultada, Adaílton logo compareceu a delegacia para prestar
depoimento. Abatido com os últimos acontecimentos, sequer tinha pego no
sono.Chegou de óculos escuros, tirando-os apenas, quando foi falar com o
delegado:
-Desculpe o jeito, doutor Adaílton,
mas o meu dever é interrogar, você sabe?Se o senhor tivesse tido mais sorte,
qual seria a sua reação?
-Onde o senhor pretende chegar?
- Ao saber que a sua esposa tinha
ido para a casa de praia, o que foi que o senhor fez?
-Imediatamente, eu me dirigi para
lá.
-E por que não avisou a ela que
estava indo para lá?
-Por que eu queria fazer uma
surpresa.
-Indo armado?
-Assim
como o senhor, eu também sou um homem visado. Várias vezes fui ameaçado de
morte, cheguei até sofrer dois atentados.
-A
sua arma foi encontrada no banheiro, ela tinha as suas digitais e as balas que
a vitimaram era do mesmo calibre desse seu revólver.
A
viagem para Brasília foi um pretexto. Desconfiado da esposa, ele queria ver com
os seus próprios olhos aquilo que, inconscientemente, gostaria de não
acreditar. Algumas vezes, ele viu Solange falar pelo celular com alguém de
forma muito suspeita. Sempre que chegava em casa, ela desligava o telefone de
uma vez. Houve ocasiões, de ela atender as ligações de seu celular, altas horas
da noite. Adaílton fingia estar dormindo e, na surdina, observava os seus
diálogos que não podiam ser muito nítidos. Tipo: “Agora não dá, nos falamos
depois.” ou: “O que você está fazendo, ligando a essa hora? Já não te disse que
amanhã a gente conversa?”. E desligava o telefone, olhando para os lados na
eminência de que ninguém estivesse por perto.
Zeca
questionou o motivo pelo qual João Grande expressava a tese de que armaram para
cima do juiz. Esse alegou que o conhecia, há muito tempo, e que toda a cúpula
do crime organizado queria a cabeça dela.
Segundo
João Grande, a morte da mulher dele poderia ter alguma ligação com o pessoal do
crime organizado. Provavelmente, alguém resolveu vingar-se de forma indireta.
Zeca concordou, mas contestou o fato de Adaílton ter sido apontado como o
principal suspeito:
-É
evidente que fizeram isso para se vingar dele. -Disse João Grande- Zeca, ele sempre foi um homem integro,
acompanhei várias vezes os julgamentos aos quais ele conduziu com maestria, condenando bicheiros,
traficantes, banda podre da polícia e sem lá mais quem.Ele já sofreu dois
atentados, mas não morreu. Chegou a ser transferido de estados. Ele é um homem
ao qual todos disputam a sua cabeça e o seu fígado.
-Não
se pode ser bom num mundo corrompido.
-O
Adaílton era cotado para ser um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, você
sabe o que é isso?De repente, a coisa vira de lado. Não sei, mas acho bom você
focar também nesse fato, Zeca. Você não diz que sonha em fazer uma puta de uma
matéria? A oportunidade chegou, agarre-a com unhas e dentes!
-
Mas ainda não se sabe. Você, João Grande, só tem essa suposição.
-Aprendeu
rápido, garoto!
Quando
o seu marido viajou, Solange comunicou à empregada que estava de saída para a
casa de praia e disse que voltava, talvez, em dois dias. Uma hora depois,
Adaílton regressou e perguntou por ela e foi avisado:
-Dona
Solange disse que foi para a casa de praia.
Naquela
altura, a imprensa marrom já tinha tripudiado da imagem dele. Um jornal popular
noticiou: “Juiz corno tenta lavar a honra com sangue, mas dá viagem perdida”.
Sem falar que alguns órgãos de imprensa faziam questão de apontá-lo como o
suspeito numero um.
João
Grande comentou como o destino costuma pregar peças: ele um homem integro,
agora passava a ser o vilão do momento. Logo ele que tem o dom de julgar, agora
era julgado e, talvez, injustamente condenado por toda aquela sociedade
Assim
que a sua empregada comunicou que a sua esposa tinha ido para a casa de praia,
Adaílton foi até o escritório, pegou o seu revólver e foi embora, dizendo:
-Não
tenho hora para voltar. Pode ir, quando terminar o serviço.
Antes
de ligar o carro, telefonou para o caseiro:
-Tonhão,
a minha esposa já chegou?
-Sim,
seu Adaílton. Quer falar com ela?
-Não,
obrigado. Eu estou indo pra aí.
-
Ela me dispensou, por hoje.
-Fica
traqnuilo, mas, por favor, não diga nada a ela que eu estou indo pra aí.
Dias depois, Zeca conseguiu um furo de
reportagem: o exame de balística comprovou que os tiros aos quais mataram a
socialite não saíram da arma do marido dela.
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