Eric
do Vale
Reparo
que a mesa onde costumo me reunir, na hora do almoço, com os meus colegas
encontra-se, em sentido figurado, ocupada. Como há apenas uma pessoa, não vejo
problema de ir até lá e esperar pelos meus colegas que chegarão, dentro de
alguns minutos. Mas, prefiro almoçar só do que dividir a mesa com ela.
Há
mais de dois anos que estou nesse emprego e nunca trocamos uma palavra, nem
mesmo um “olá”. Por quê? Digamos que o meu santo não bateu com o dela. Essa é a
única explicação plausível que consigo encontrar.
Quem sabe, não estou sendo intransigente?
Sim, isso é possível. Ninguém tem obrigação de ir com a cara de alguém assim,
de primeira. Levando em conta que é comum vê-la almoçando sozinha, penso em ir
até lá e fazer companhia a ela, não custa tentar. Pra quê? Ela não vai me dizer
nada e continuará me ignorando como sempre fez. E o que é que tem? Farei a
mesma coisa, pronto.
Continuo
comendo e a vejo se levantar. Intimamente, torço para que ela atravesse aquela
porta. Ao sair, fico por mais alguns segundos sentando até, discretamente, me
levantar e ir para a mesa onde ela estava.
Nesse
momento, os meus colegas começam a chegar, de um por um. Ainda que pensasse em comentar
com eles sobre esse assunto, achei melhor guardá-lo para mim. Termino o meu
almoço, levanto-me e penso nisso estabelecendo uma espécie de mea-culpa: “Será
que o problema não está comigo?”.
...
Ricardo
encontra-se no setor pessoal convicto a pedir as contas, mesmo ciente de que
perderá alguns benefícios.
-
Se quiser, podemos transferi-lo para a nossa filial. _ Disse o funcionário do
RH.
-
Não, obrigado.
- Aguarde só um minuto. _ Pegando o
telefone e discando.
Colocado o telefone no gancho, ele
diz:
-O
chefe pediu para você ir até a sala dele.
O
potencial de Ricardo é uma faca de dois gumes: há quem o superestimem, como existem
aqueles que não escondem o desejo de vê-lo pelas costas e fazem questão de
humilhá-lo, chegando ao ponto de sabotarem os seus trabalhos.
Ricardo,
certa vez, imprimiu uma planilha de contas com a finalidade de mostrá-la ao
chefe e bastou ir ao banheiro para que, em poucos segundos, aquele documento
evaporasse da mesa dele. Sorte que ele tinha
esse arquivo salvo no pen drive.
Fatos feito esse tornaram-se bastante
corriqueiros até que o grau de tolerância de Ricardo chegou ao fim, depois que
alguém, simulando um acidente, derramou café na camisa dele. A caminho da sala do chefe, pensou:” Se
pensa que vai me convencer, o chefe está muito enganado...”.
...
Hoje,
pela manhã, tomei o maior susto, quando vi o Ricardo chegando para assinar a
folha de ponto. Ontem, à tarde, ele veio até a minha mesa e falou:
-Estou
saindo.
-Saindo?
-Vou
cair fora.
-
Recebeu uma nova oferta de emprego?
-Não.
-Não?
-Pedi
as contas. Não vou cumprir aviso prévio e nem quero.
Nos
despedimos e ele saiu. Apesar de considerar aquele ato insano, eu, no lugar
dele, também teria feito a mesma coisa.
Pelo menos, o Ricardo teve peito. Ao contrário de muita gente que
insatisfeitos, fazem corpo mole para receberem as contas.
Saio
do refeitório e encontro o Ricardo pelas galerias. Conversamos um pouco e fico
sabendo que o chefe o convenceu a ficar, na condição de remanejá-lo para outro
setor. O Ricardo também me falou que deixou o chefe a par do constrangimento ao
qual vinha sofrendo por parte de alguns colaboradores, mas não citou nomes. A
única exceção foi a dita cuja. Ele não fazia ideia do alivio que eu senti, ao
ouvir aquilo.
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