Eric do Vale
A
caminho do trabalho, o rádio noticiou, em edição extraordinária, a queda de um
Boeing, nas redondezas desta cidade. Não tive dúvida de que seria um dia
daqueles e quando cheguei, todo mundo já estava de prontidão. Nunca conheci
ninguém que não ficasse boquiaberto, sempre que digo qual é a minha profissão e
onde trabalho. Diversas vezes, já me coloquei no lugar do outro e constatei que
também teria essa mesma reação.
Saia
de casa para trabalhar sabendo que não me faltaria serviço e essa certeza
ganhava hegemonia, logo que via os corpos chegando para a autopsia. Os únicos casos de acidentes aéreos que, até
então, eu tinha lidado estavam associados a monomotores e helicópteros. De acordo com as informações, haviam mais de
cem passageiros naquele avião e qualquer possibilidade de ter algum
sobrevivente estava descartada.
O que era mais penoso, reconhecer um
corpo ou não encontrar aquele ente? Eu me fazia essa pergunta, toda vez que via
alguém entrando e saindo daqui ou algum corpo sendo conduzido rumo ao cemitério
para ser enterrado em uma vala comum, porque não havia aparecido ninguém para
identifica-los.
Os
rabecões deslocaram-se para o local do acidente e, em um único dia, fizeram
mais duas viagens, porque, há todo momento, era encontrado um pedaço de alguém.
Se os bombeiros, durante as buscas, ficaram horrorizados com aquela sinistra
visão, o que dizer de nós? E quando digo nós, eu também me incluo. Assim que vi
o que havia sobrado daqueles que estavam naquele avião, pensei: “Poderia ter
sido eu!”. Em quase trinta anos de atividade, isso nunca tinha me acontecido,
antes. E pela primeira vez, me coloquei no lugar dos familiares das vítimas
que, aos poucos, foram chegando para fazerem o reconhecimento
Famosos,
anônimos, estrangeiros ou não, todos tinham algum propósito de estarem naquele
Boeing e, dentro de alguns instantes, serem reduzidos a quase nada. Algumas
identificações tiveram de ser feitas por meio da arcada dentária ou impressões
digitais.
Finalizado
todo o trabalho, voltei para a casa e tirei uma semana de folga, mas achei
melhor converter em um mês de licença. Quem sabe, esse não seja o momento
adequado para eu me aposentar?
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