Eric do Vale
“Acabei de dar um check-up
Geral na situação
O que me levou a reler
Geral na situação
O que me levou a reler
Alice no país das Maravilhas”
I
O tempo mostrará que
isso foi mais uma coisa superestimada por mim e estou convicto disso, mesmo
sabendo que tive uma parcela de culpa. Se é que tive. Era quase meia-noite,
quando ela marcou um compromisso comigo, alegando que precisava demais de
ajuda. Solicitamente, aceitei e marcamos para as oito horas. Chegando ao local
combinado, nada dela. As horas foram passando até que resolvi ligar. Do outro
lado da linha, disse-me que havia farreado a noite toda:
- Como você pode
fazer isso? Julguei que precisasse de mim. _ Questionei.
Voltei para casa fulo
da vida, mas logo passou. Estava separando-se do marido, quando nos conhecemos.
Trocamos alguns telefonemas, diálogos e saímos algumas vezes, mas não rolou
nada. Cheguei a telefonar-lhe algumas vezes, porém ela nunca atendia. Resolvi
não procurá-la mais. Estranhei quando me ligou naquela noite, mesmo assim
decidi não negar-lhe ajuda. Procurou-me após o ocorrido e saímos algumas vezes.
Volta e meia, enviava-me um whatsapp, como mensagens do tipo: “Veja como a lua
está bonita!” ou “O dia foi tão corrido que, mesmo assim, pensei muito em
você!”. Eu correspondia a todas as suas mensagens. Pelo jeito, tudo estava
ocorrendo bem até que depois dos festejos de fim de ano, distanciou-se de mim.
Quando a reencontrei, conversamos muito até ela me dizer:
-Você também é um
pouquinho indelicado. Fui apaixonada por você até me dar umas patadas, fazendo
que eu perdesse o encanto.
Aquela afirmação me
levou a nocaute. Não me lembro de nenhuma vez em haver sido grosseiro com ela,
salvo quando me deu um cano. Será que fui indelicado outras vezes e não
percebi? Procurei justificar-me de várias maneiras, mas ela contra- argumentava. Na
concepção dela, eu tinha nível de sinceridade muito aguçado e isso retraia
qualquer mulher:
-Por que está me
dizendo isso agora? _ Perguntei.
-Porque eu tinha
medo.
Essa justificativa
fez com que eu me sentisse enojado de mim mesmo e refletisse: “Será que eu sou
um monstro e não sabia?”.
--Lamento haver
desperdiçado essa chance. _ Eu disse.
-Encare isso como uma
fruta que não amadureceu no pé. Veja o lado bom, ficou a nossa amizade.
Pelo menos, isso me
servia de consolo. Estevan ouvindo I feel like bullet in the gun of Robert Ford,
do Elton John. O começo da primeira estrofe
dizia: “Como se arranca o milho do campo, eu feri você. “. Logo, associei
as palavras dela: “Fui apaixonada por você, mas perdi o encanto, por causa de
sua grosseria.”. Naquele momento, uma vodca ou uma cachaça cairia bem. Logo que
ouviu a minha catarse, alguém que conheço me perguntou:
-Ela é tão importante
assim para você se rebaixar?
- Claro que não.
-Então?
- Eu joguei uma
oportunidade fora!
- Você está dando
importância a uma coisa que nem chegou a ser concretizada.
-Por minha culpa.
Contei-lhe a história
do bolo que ela me deu e então ouvi a resposta:
- Você
deveria preocupar-se com coisas mais importantes do que isso. E quer
saber? Ela nunca foi apaixonada por você. Do contrário, entenderia o seu jeito
Aquilo fazia sentido.
Feio, aleijado e até mesmo ladrão, quando alguém se apaixona por outro não há
nada disso. Procurei seguir a minha vida até ser informado, pelo Facebook, que
ela encontrava-se no quarto mês de gestação. Intrigava-me saber que ela seria
mãe solteira, conforme havia postado no mural. Como é que ela foi se meter nisso?
Pelo que me consta, ela sempre foi uma pessoa com jogo de cintura. Lembro que
no nosso primeiro encontro ela ter comentado:
-Hoje em dia só
engravida quem quer. Eu que diga, vivo na base de anti- concepcionais.
Assim que ela
divulgou, pela internet, o sexo do bebê, resolvi telefonar-lhe a fim de
parabenizá-la. Disse-lhe que se precisasse de qualquer coisa, poderia contar
comigo. Ela agradeceu, mas estou certo de que não deu muita importância, pois
jamais me procurou. Apesar de haver sido um gesto nobre, percebi que tinha
acabado de tirar o diploma de burrice e um amigo meu acrescentou:
-Ainda bem que você
tem consciência disso e digo mais: não só tirou o diploma, como também você
acabou de fazer uma especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado nessa
área. Francamente! Você se safa de uma roubada e ainda quer voltar para ela!
Ela
não deu detalhes sobre o pai da criança, disse apenas que namoraram por dois
meses, mas terminaram, porque, segundo suas próprias palavras, “deixaram de se
amar”. Como é possível se apaixonar e desencantar por alguém assim,
instantaneamente? Faltando um mês para dar à luz, disse-me não ter escolhido o
nome da criança. Mesmo achando desconexo, eu não tinha nada a ver com aquilo e
então, dei-me conta de que estava mais do que na hora de tirá-la da minha vida.
II
- Foi
preciso que eu mandasse uma solicitação de amizade para você perceber a minha
existência! Faz dois anos que não nos
falamos e então, resolvi te procurar. Assim que nos encontramos, a sua pergunta
foi: “Estava zangado comigo?”. Antes que eu pudesse responder, você disse:
“Tomei um susto, quando vi a sua solicitação de amizade.”. Após o nosso
derradeiro encontro, na praia, você evaporou. Tentei entrar em contato, mas,
por alguma razão, você passou a me evitar até que, um dia, conseguimos
conversar e ouvi o seu desabafo: “Você é um pouco indelicado, fui apaixonada
por você, mas as suas grosserias colocaram tudo a perder.”. Agora, me responda:
em qual momento eu fui grosseiro com você?
-Não
estou lembrada, porque faz tanto tempo.
-Mas,
eu me lembro. Aquela cano que você me deu. Creio que essa tenha sido a única
vez que fui indelicado com você. Caso contrário, me corrija.
- Eu já te disse que não me lembro. E que
importância tem isso, agora? Já passou!
-
Você está certa em dizer que já passou, entretanto existem algumas lacunas que
ainda não foram fechadas. Ao me desculpar, você finalizou: “Pelo menos, sobrou
a nossa amizade”. Pergunto: que amizade? Assim que tomei conhecimento de que
estava gravida e seria mãe solteira, eu te procurei com o intuito de te ajudar,
mas você nem deu importância. Então, constatei que você nunca foi apaixonada
por mim. Sabe como cheguei a tal conclusão? Quando perguntei pelo pai da
criança, a sua resposta foi: “Namoramos por dois meses até que deixamos de nos
amar.”. Tão rápido esse amor! Se você fosse, realmente, apaixonada por mim,
procuraria entender os meus defeitos da mesma forma que eu buscaria compreender
os seus. Como eu não significava coisa nenhuma para você, achei melhor sumir e
continuaria desse jeito, mas as coisas não são bem assim.
-Entendi.
Obrigada pela sinceridade.
III
-Acabou.
Resolvi tudo!
-
O que aconteceu?
-Resolvi
aquilo que estava me incomodando, procurei aquela pessoa e disse-lhe: “Faz dois
anos...”.
-Foi
muito bom você ter esclarecido tudo e o que foi que ela disse?
-
Ela disse: “Entendi. Obrigada pela sinceridade”. E eu concluí: “Sem
ressentimentos”.
-Sabe
o que realmente eu acho? Ela nunca gostou de você, porque quem gosta resiste.
Digo isso, porque passei um ano e dois meses suportando o que ninguém
suportaria.
-Você
não foi a única pessoa que me falou isso.
-
É bem capaz de tudo isso que você disse para ela ter entrado em um ouvido e
saído pelo o outro.
-Agora, isso pouco me importa.
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