Eric do Vale
“E
antes que eu esqueça aonde estou
Antes que eu esqueça aonde estou
Aonde estou com a cabeça?”
Antes que eu esqueça aonde estou
Aonde estou com a cabeça?”
(Domingo:
Toni Belloto & Sérgio Brito)
Se não estou
enganado, a última aparição pública dele foi em 1994, durante os funerais de
Richard Nixon. Meses depois, anunciou a sua condição de portador da síndrome
Alzheimer. Ao ser informado que o estado de saúde do Ronald Reagan havia se
agravado, restando-lhe uma semana de vida, corri para o computador e comecei a
transcrever um artigo sobre ele para a revista, onde trabalho. Fiz as devidas
correções, assim que terminei de redigir, até me certificar de que estava tudo
correto.
Eu já estava
prevendo: o Reagan vestiria o paletó de madeira e antes que o editor da
redação, como de costume, exigisse um texto sobre tal fato, ele o receberia, em
seu e-mail. Tomei um banho gelado, liguei a televisão e quando foi noticiado o
falecimento dele, pensei: “Quero só ver a cara do meu editor”. Logo em seguida,
tocou o telefone e fui atender pensando que fosse ele:
-Alô. _ Falei.
-Afonso.
-Oi Taís, tudo bem?
-Sim, o que
está fazendo?
-Nada. E você?
-Idem.
-Podemos nos
ver, hoje?
Afonso, eu estava aqui pensando sobre nós e
queria te dizer...
- Sim.
-Ultimamente,
nós dois... Você sabe. Queria dizer...
-Para
terminarmos.
- Isso.
Fazia algum
tempo que Taís comportava-se de maneira estranha comigo e desconfiei de que
houvesse outro homem na jogada. Concordei com ela, mas combinamos de, no
próximo domingo, nos encontrarmos em uma pizzaria para lavarmos toda a roupa
suja.
Na
segunda-feira, o meu editor cobriu-me de elogios:
- Afonso, você marcou um gol de placa, desta
vez! Gosto de gente assim, com atitude. Se continuar desse jeito, você irá
muito longe.
No domingo,
cheguei para almoçar na casa da minha tia e a encontrei discutindo com a filha
dela, pois essa, há pouco tempo, havia saído do armário.
-Quem é a
senhora para me dar lição de moral? _Disse a minha prima. – Mamãe, a senhora
sempre se fez de santa, no entanto é a mais safada de todo mundo da família.
A minha tia
não se conteve e deu-lhe uma bolacha. Então, a minha prima abriu o verbo:
-É verdade
mesmo, a senhora sempre traiu o papai e não foi com um outro homem coisa
nenhuma, mas com uma mulher. E não adianta dizer que estou inventando, porque
eu mesma vi você e aquela sua amiga, a Julia, várias vezes juntas.
Aquilo me fez
lembrar de um livro que, durante a semana, eu estava lendo: Teatro
Completo de Nelson Rodrigues. Como o clima estava carregado, voltei para a
minha casa e tirei um cochilo. Quando acordei, tomei um banho e liguei para a
Taís avisando que já estava de saída. Logo que cheguei, eu a vi sentada e me
dirigi até ela.
Conversamos
bastante e Taís me contou que ainda não havia superado a decepção amorosa que
sofreu, no passado. Depois de três anos de namoro, ela descobriu que o namorado
estava tendo um caso justamente com a melhor amiga dela. Mudamos o foco da
conversa, bebemos um pouco e perto de irmos embora, dei um abraço nela. Mirei
na boca dela e dei-lhe um beijo. Taís correspondeu e saímos de mãos dadas em
direção aos nossos carros e ela me perguntou:
-O que vai
fazer, agora?
-Vou para a
casa.
-E vai fazer o
quê?
-Nada, por
quê?
-Também não
tenho nada para fazer.
-Quer ir lá em
casa?
- Sim.
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