segunda-feira, 9 de maio de 2016

Conto- Sem Condições

Eric do Vale


Aquela inesperada visita do meu primo, à minha casa, muito me surpreendeu. Mesmo assim, procurei deixá-lo a vontade.
            -Aceita um café? _ Perguntei.
Como não havia respondido a minha pergunta, pedi a copeira que passasse um café.  O tempo todo, me questionei: “Qual a finalidade dele vir me procurar?”. Deduzi que estivesse em apuros, pois era do meu conhecimento que esse meu primo padecia de problemas psicológicos e tomava remédios controlados.
-Você ainda gosta do Raul Seixas? _ Perguntou o meu primo.
-Sim. Gosto sim.
A fim de quebrar aquele gelo, prossegui:
-Sabe, eu, uma vez, vi aquele seu amigo de infância, o Álvaro. A sua mãe arte estava presente, nessa ocasião.
-Ela já faleceu.
-Eu sei.
-Tem dois anos que a minha mãe morreu. E esse meu amigo, atualmente, se chama Ramona.
-Eu sei. Inclusive, quando o vi, nessa época, ele já se chamava Ramona. 
 Olhamos um para o outro e ficamos em silêncio, por um longo período. Caso prolongasse aquele dialogo, falaríamos sobre o Álvaro. Certamente, comentaríamos: “Veja só, justo o Álvaro! Que coisa, não?”.
-Você está zangado comigo? _ Perguntou o meu primo.
-Eu? Por quê?
-Você nunca mais falou comigo.
-Nada disso. É essa minha rotina: trabalho, esposa e filhos. Você entende?
-Entendo sim. Sabe, eu me lembrei da última conversa que tivemos: você me perguntou sobre o que eu achava daquele nosso primo, o Adilson.
- É verdade.
-Ele é muito esquisito.
-Como assim?
O meu primo tinha razão em afirmar aquilo. Honestamente, nunca me simpatizei com o Adilson, porque o achava muito esnobe e insociável. Tais características permitiram com que ele não fosse bem quisto pelos demais familiares.
Lembro-me de que, uma vez, o Adilson, sem mais e nem menos, me disse:
--Por que você não vai na privada e pega um saco de...
Imediatamente, mandei ele ir... O Adilson, obviamente, não deixou barato:
-Quem xinga tem parte com o diabo.
Ele sempre gostou de manifestar essa veia puritana, em virtude da formação protestante dos pais.  Ao me recordar de tudo isso, constatei que o Adilson sofria de algum complexo de inferioridade. Depois que apresentei o meu ponto de vista em relação a ele, o meu primo, que falou:
-Não tem nada a ver com isso tudo que você está falando, refiro-me ao comportamento dele: fica difícil saber se ele é homem ou não, pois tem um jeito muito efeminado.
Lembro-me que, certa vez, alguém da família especulou sobre a orientação sexual do Adilson, mas não dei importância porque fazia muito tempo que não tinha contato com ele.
-É isso que eu vejo nele. Até agora, não casou e nem tem namorada... Você há de convir que isso tudo gera muita suspeita. _ Disse o meu primo.
-Em relação a isso que você está me dizendo, não posso emitir nenhuma opinião. Além do mais, isso é um assunto muito delicado.
-Tudo o que você falou faz sentido e estou de acordo. Mas, o que quero te dizer é que ele é estranho.  Você me perguntou o que eu achava dele, está lembrado? _ Levantando-se - Acho o Adilson muito efeminado e eu não sou único a pensar assim: todo mundo da família também acha isso, mas ninguém tem coragem de dizer isso. Você é um deles.
-Eu?
-Pensa que eu sou idiota? _ Alterando a voz- Não sou nenhum moleque! – Posso ter mens estudo do que você, mas não sou burro!
Ao chegar com a bandeja de café, a copeira presenciou tudo e assim como eu, ficou sem entender nada.
-Você só sabe falar bonito, mas o seu conhecimento de vida é zero! Passei quinze anos correndo o mundo. Quinze anos não são quinze dias! _ Disse o meu primo.  
Em seguida, caminhou em direção a porta e quando foi abri-la, deparou-se com a minha esposa e foi embora.
-O que foi que deu nele? _ Perguntou a minha esposa.   

-Eu é que sei?  

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