Eric do Vale
Já passava um pouco mais das dez horas da noite, quando Robson telefonou para Luiza informando de que estava com a lista de presença dos alunos dela, esquecida na sala dos professores. Não a encontrando e havendo precisão de chegar pontualmente à academia de ginástica, seu outro emprego, Robson achou melhor telefonar para ela naquele horário, pois sabia que Luiza também trabalhava à noite. Há menos de três meses, os dois tiveram um rolo, mas acabaram tornando-se bons amigos. Com o telefone na mão, Robson cantarolou: “Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada...”, música que havia escutado pouco antes de chegar em casa. Combinado de entregar-lhe a lista no dia seguinte, Robson mudou de assunto:
- A Isadora é muito chata, veio me
perguntar por que eu insisto
em conversar com você.
- Você teria algum rolo com ela,
Robson?
- De jeito nenhum. Que história é essa,
Luiza?
- Você sabe muito bem que, antes mesmo da gente ficar,
havia um boato de que você e ela tinham um caso, sem falar que ela tinha uma queda por você.
- Luiza, eu nunca tive nada com ela e
nem quero ter.
- Não mesmo?
- Ninguém sabe o dia de amanhã.
- Isso mesmo: ninguém sabe o dia de
amanhã. Então, você teria alguma coisa com ela.
- Já disse que não, porém nunca se sabe
o dia de amanhã.
- E comigo?
- Sim.
- Sim?
- E você, Luiza, teria alguma coisa
comigo?
- Não, porque já somos uma página
virada.
- Reformulo a pergunta: se fosse
o Luciano, você teria alguma coisa com ele?
- O Luciano é meu amigo.
- Nada impede de vocês dois terem
alguma coisa.
- Nem ele e nem eu não queremos nada.
- Do mesmo jeito, sou eu: não quero
nada com a Isadora.
- Será?
- Eu já disse que não
- Mas, você acabou de falar que não
sabe o dia de amanhã.
- Disse sim, mas eu não quero nada com
a Isadora.
- Por quê?
- Não temos nada em comum.
- Isso não quer dizer nada.
- Que papo de doido é esse, Luiza?
- Robson, você se contradisse:
falou que não ficaria com ela, mas afirmou que não sabe o dia de amanhã.
- Do mesmo jeito que falei de você.
- Tenho as minhas dúvidas se na época
em que tínhamos um “lance”, você não estava ficando com outras mulheres.
- Não estava.
- Eu não acredito.
- Mas, é verdade.
- Eu não acredito, Robson. Sinto muito,
mas eu não acredito. Sabe por quê? Por causa daquela foto da moça de biquíni
que você mostrou para o Carlinhos, quando não estávamos ficando mais. A Isadora
me contou tudo, porque ela também viu essa foto. Vai negar?
- Não vou negar, porque você me falou
sobre isso naquele “churrasco”. Reconheço que foi uma imaturidade minha, mas
como você mesma disse: já não estávamos tendo mais nada. E vou confessar:
não rolou nada entre mim e essa
mulher, no entanto
reconheço que esse meu comportamento foi imaturo.
- Sabe, Robson, acho que você utilizou
essa mulher como um pretexto para que eu terminasse com você, pois tenho
absoluta certeza de que não teve coragem de terminar comigo. Então, eu tomei as
rédeas para que, no seu entender, ficasse tudo “numa boa”.
- Reconheço que não tive coragem, mas
não sou cafajeste.
- Eu não estou dizendo isso, Robson.
- Realmente, não tive coragem, mas
entenda que quis ganhar tempo.
- “Ganhar tempo”. Que papo furado,
Robson!
- Eu lhe juro que não quis que você assumisse essa
responsabilidade, mas é preciso entender que não é bem assim: “não quero mais
nada com você”. Eu precisava arrumar uma maneira de terminar.
- Fosse homem e enfrentasse a situação
de cabeça erguida, com dignidade. Sabe, a Tainá é mais perseverante do que
você. Mesmo sabendo que o meu negócio é homem, ela não desiste de mim. Já você, muito me impressionei de, nessa
sexta-feira, ter aceitado sair conosco. Na época em que estávamos ficando, você
nunca quis sair comigo.
- Naquela época, eu estava mal das
pernas, você bem sabe disso.
- Independente de qualquer
situação financeira, quando se gosta movem-se céus e terras para estar próximo um do outro. Sem
falar naquela sua situação mal resolvida com aquela vigarista. Eu não entendo,
Robson, como você foi capaz de se envolver com ela!
- Ela foi um equívoco na minha vida. E
sabe que isso tudo aconteceu, antes de ter te conhecido.
- Aquela mulher é uma pirada!
Ficava com o primeiro que aparecesse e depois do que ela te fez, você ainda foi
atrás dela a fim de resolver o seu “caso mal resolvido”. Uma mulher que não
vale nem os fundilhos da sua cueca! Se fosse pelo menos uma princesa, mas
quando você me mostrou a foto dela, pensei: “Nem que o Robson se ajoelhasse aos
meus pés, eu não iria querer mais nada com ele”. Depois dessa, sem comentários!
- Luiza, eu te juro que não pretendia
voltar para ela, depois do que me fez. Apenas fiquei penalizado com a situação
dela: arranjou um sujeito que não valia nada, aprontou com ela e a deixou com a
mão na frente e a outra atrás, além de uma criança no ventre. Apesar de toda a
cachorrada que me fez, nunca desejei o mal dela. Eu precisava vê-la para
“acertar os ponteiros”. Era uma coisa minha, como tenho certeza de que você
também tem coisas pendentes, embora insista em dizer o contrário. Mas, eu te
digo: nunca fiquei com ninguém, quando você e eu estávamos tendo o nosso lance.
- Não acredito.
-Está bem, não vou abrir a sua cabeça.
- E por que você ficou comigo naquele
churrasco, quando já não tínhamos mais nada?
- Porque pensava que poderíamos ter
alguma coisa.
- Não seria mais fácil dizer que é por
causa da sua natureza masculina?
- Olha, Luiza, eu posso ter errado com
você de uma forma inconsciente, mas errei. Nada do que eu justificar vai trazer
o passado de volta, mas é bem certo que no futuro eu mude os meus conceitos.
- Sabe, pouco me interessam os seus conceitos, agora.
Já lavei toda a roupa suja e você não fez nada de mais, comparada a outras
situações que vivenciei. Não tenho nada contra você e, se tivesse, obviamente que não
estaríamos conversando, nesse horário, pelo telefone. Boa noite.
Finalizada a ligação, Robson foi
dormir e pensou: “Luiza, Luiza! Depois deste interrogatório, tenho certeza de
que talento não lhe falta para ingressar na polícia.”.
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