domingo, 3 de janeiro de 2016

Conto- Bestialidade Exorbitante

Eric do Vale

“Tudo parece ser tão real
Mas você viu esse filme também”
(Baader- Menhof Blues: Renato Russo)



Quando não estava nos semáforos limpando os para-brisas dos carros, abordava algum pedestre e pedia um trocado. Às vezes, ele recebia alguma coisa, mas isso acontecia raramente. E quando o sinal fechava, dirigia-se para o primeiro carro que via e, sem perguntar, começava assear os vidros. Tal atitude, porém, terminava custando-lhe bastante caro. Além de ouvir a clássica frase: “Desculpe, não tenho dinheiro”, era também obrigado a escutar intermináveis desaforos dos motoristas.
Uma vez, quando aproximou-se de um carro, o motorista abaixou o vidro e gritou:
-Não tenho dinheiro!
Ele, imediatamente, esmurrou a porta e o ameaçou, gerando, assim, uma horrível discussão em que ambos foram parar na delegacia. Ele, é claro, terminou sendo o mais prejudicado.
Isso também acontecia com os pedestres:
-Um dinheiro aí. _ Pedia ele.  
E insistia:
-Um trocado.
Quando alguém não lhe dava ouvidos ou o insultava, ele apelava para a brutalidade e tirava na marra. Apesar de ser velho conhecido dos policiais, não demorava muito para estar de volta as ruas e voltar a sua rotina.
Não fazia pouco tempo que tinha retornado as ruas, quando viu um senhor passar perto dele e foi direto ao assunto:
-Um trocado, por favor.
O velho não deu ouvidos e ele persistiu:
-Uma graninha, meu tio.
Como o velho continuou ignorando-o, ele apressou o passo, segurou no braço dele e alterou a voz dizendo:
-Tu é surdo? Quer que eu traduza? _ Apertando o braço dele mais forte.
-Tudo bem, já entendi. _ Disse o velho levantando o polegar esquerdo.

Ao soltar o braço dele, o velho colocou a mão no bolso e sacou um revólver. Ele deu dois passou para trás, mas levou um tiro certeiro no coração.    

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