Eric do Vale
Quase
atirei a xícara de café no chão, ao vê-lo debruçado sobre o meu caderno lendo,
provavelmente, a última coisa que eu havia escrito. Pensei em arrancar aquilo das mãos dele ou
inventar algo do tipo: “não dê importância, são só bobagens.”. Mas, sabia que
nada disso adiantaria. Notando a minha presença, Carlinhos levantou-se e olhou-me
de tal maneira, que fiquei sem ação.
-Você
escreveu isto? _ Perguntou Carlinhos.
Nunca
simpatizei com ela. Vez ou outra, abordava-me querendo saber algo referente a
minha vida particular e eu, de uma forma bem cortes, dava-lhe uma cortada,
deixando bem claro que não queria conversa. Além de evasiva, era também folgada
e fofoqueira. Por isso, nenhum morador do prédio gostava dela. Eu preferia mil vezes subir vários lances de
escada a ter que tomar o mesmo elevador que ela. Apertei o botão do meu andar,
quando a vi chegando e de repente, o elevador parou. Era só o que me faltava!
Graças a Deus que aquela pane durou pouco tempo!
Assim
que coloquei os pés no meu apartamento, peguei um caderno de capa dura verde no
qual costumo fazer anotações sobre alguns fatos que considero marcantes e decidi
colocar no papel tudo aquilo eu pensava a respeito dela.
Como
se estivesse falando para ela, escrevi, em forma de carta, que muito me
incomodava aquele péssimo habito dela de querer se intrometer na vida alheia e
enfatizei: “Durante esses anos de convivência, jamais ouvi da sua boca uma
palavra elogiosa. Muito me espanta saber que, para você, ninguém presta. Já se
olhou no espelho?”. E continuei escrevendo até finalizá-lo.
No
dia seguinte, fui ler com calma o que havia escrito, quando o porteiro interfonou
avisando que o Carlinhos estava subindo. Deixei o caderno aberto sobre a mesa,
no momento em que a campainha tocou. Abri a porta, pedi para que entrasse e
falei:
-Fique
à vontade, você já é de casa. A propósito, estou passando um café, você aceita?
-Sim.
Não
tive a menor dúvida de que, naquele instante, encontrava-me em um beco sem
saída. Carlinhos continuou me olhando daquele jeito e repetiu a pergunta:
-Você escreveu isto?
-
Sim. _ Respondi meio que desconcertado.
-Zé
Luís, por que você nunca me falou desse seu talento?
-Talento?
-Escondendo
o jogo, homem?
Fiquei
sem entender e pedi que me explicasse.
-
Zé Luís, você escreve muito bem, sabia?
-Não.
-Eu
te aconselho a não desperdiçar esse seu talento. Pode ter certeza de que irá
muito longe.
Continuei
sem entender, mas pensei muito no que ele havia me dito. O Carlinhos estava
coberto de razão e me certifiquei disso, depois que reli tudo o que estava
escrito naquele caderno. Reescrevi cada um desses textos, convertendo-os em
conto, crônica e poesia. Passei a postá-los em um blog que eu tinha criado e,
ao mesmo tempo, a compartilhá-los nas redes sociais.
Alguém
que conheço, um dia, telefonou-me perguntando:
-Está
tudo bem?
-Sim,
por quê?
-Não
está zangado comigo?
-Por
que haveria de estar?
-
Pelo que você postou, deduzi que estivesse zangado comigo. .
Reparei
que estava se referindo ao último texto que eu havia postado: justamente aquele
que escrevi para aquela senhora.
-Aquilo
que você leu é uma narrativa ficcional, um conto, narrado em primeira pessoa_ Expliquei.
.
No
final, tudo ficou esclarecido. Outras duas pessoas, também conhecidas minhas, me
procuraram a fim de saber o que estava acontecendo comigo, pois ficaram
preocupadas com a minha última postagem, na rede social.
Jamais passou pela minha cabeça que aquela
minha produção textual pudesse ser tão impactante e tive certeza disso, quando
um conhecido me enviou esta mensagem: “Quer dizer que você me acha que eu não
tenho educação e que sou mau caráter? Quero ver se tem coragem de dizer isso na
minha presença. Sei onde mora e, atualmente, onde você está trabalhando. Esteja
certo de que irei procurá-lo para dizer tudo o que penso sobre você. Vou
imprimir esta porcaria que você escreveu para esfregar na sua cara e depois,
fazê-lo engolir.”
Pelo
pouco que o conhecia, sabia que aquilo não seria difícil de acontecer.
Percebendo que eu estava on line, ele
perguntou:
-E
aí, qual vai ser?
Falei que estava havendo um mal-entendido e,
naquelas condições, expliquei-lhe a origem daquele conto.
-Sendo
assim, me desculpe. Quer um conselho?
Cuidado com o que escreve, guarde esses seus textos para você.
Até
hoje, não sei como aquele meu texto chegou ao conhecimento do Fred, visto que
eu não tenho nenhum contato dele. E por que ele se doeu tanto? Mesmo que tudo tenha
sido esclarecido, confesso que fiquei bastante tenebroso.
Alguns
meses depois, tive a ideia de transcrever sobre esse episódio, quando, no meio
do expediente, a telefonista telefonou-me avisando:
-Seu
Zé Luís, tem um homem aqui que deseja muito falar com o senhor.
-Como
é o nome dele?
-Fred.
-Como
é que é?
-Fred.
Desliguei
o telefone e antes que pudesse pensar em fazer alguma coisa, a porta da minha
sala foi aberta.
-O
cara da manutenção está aqui. _ Falou o rapaz que trabalha comigo, ao entrar no
meu gabinete.
-Manutenção?
_ Recuperando-me do susto.
-Sim.
Ele está aqui para concertar o ar condicionado.
-Ah,
sim. Mande-o entrar, por favor.
Assim
que o técnico entrou, levantei-me e falei para esse:
-Fique
à vontade. Tenho que dar uma saidinha, mas volto logo.
Fui
até a recepção e olhei por todo o cômodo, mas não encontrei ninguém. Perguntei a recepcionista:
-Onde
está o sujeito... Digo, o homem que queria falar comigo?
-Dirigiu-se
para a sala do senhor.
-Como
assim?
-Aquele
rapaz que trabalha com o senhor pediu que eu o liberasse...
-E
pelo jeito, você acatou o pedido dele.
-Sim.
Eles entraram, agora há pouco.
-Eles?
-O
homem e o rapaz que trabalha com o senhor, seu Zé Luís.
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