Eric
do Vale
Para
Salomão Francisco Rabelo Sampaio
Todos
os médicos estavam no pátio central do Hospital Militar, quando o coronel
Feitosa, diretor do estabelecimento, ficou no meio de nós e foi direto ao
assunto:
-Fui informado de que, ontem, houve,
aqui dentro do Hospital Militar, uma briga entre dois médicos que resultou em
luta corporal. Portanto, peço aos responsáveis por essa balburdia para, nesse
exato momento, darem um passo à frente.
Eram quase dez horas da noite,
quando papai chegou e vendo todos nós ali presentes, perguntou para mamãe:
-Tudo em ordem, por aqui?
-Sim, meu velho.
Era comum, sempre que chegava em
casa, papai fazer essa pergunta a ela. Caso fizéssemos alguma coisa errada, ela
o informava e ele, imediatamente, aplicava o corretivo em nós.
O
coronel insistiu, mas ninguém se pronunciou e então, perguntou:
- Quer dizer que não houve briga?
Todos ficaram em silêncio. Assim
como os demais presentes, ali na recepção, eu não balbuciei uma palavra sequer
e como os responsáveis, até então, não haviam se pronunciado, era muito provável
que todos nós seriamos punidos.
Depois
que mamãe disse-lhe que estava tudo em ordem, o velho andou alguns metros,
olhou para todos nós e perguntou:
-
Olhem para cá e me respondam. _ Apontando para a testa – Aqui, por acaso, está
escrito trocha ou outra palavra semelhante? Vamos, me respondam!
O
silêncio foi a nossa resposta e ele continuou:
-Vocês
pensam que eu tenho cara de palhaço? A quem pretendem enrolar? Eu quero que me
digam a verdade, senão vou descobrir. E se eu descobrir...
Não
sei como papai desconfiou que havia algo errado. Aliás, ele sempre foi muito
esperto e, até hoje, estou para conhecer alguém que tenha conseguido levá-lo no
bico. Naquele dia, os meus irmãos mais velhos, Carlos e Pedro, saíram no braço,
porque um tinha vestido a camisa do outro.
A sala estava um pandemônio:
mamãe e as minhas irmãs aos prantos, enquanto os meus outros irmãos
tentando separá-los. Discretamente, aproximei-me do interruptor e apaguei a
luz.
Naquela
noite, eu havia sido escalado para o plantão e quando cheguei, vi dois colegas discutindo
até saírem-na pancadaria. Todo mundo correu para separá-los e nessa mesma hora,
chegou um paciente, portador de demência mental, que começou a agredir todo
mundo e a arrebentar tudo o que via pela frente. Então, tudo ficou escuro. Só ouvi aquela
quebradeira toda e uma voz que, até hoje, não consegui identificar perguntando:
-Quem
apagou a luz?
Para
piorar, o gerador estava quebrado!
Apoiei-me no braço de um casal e nos escondemos debaixo de uma maca até
a luz voltar. Quando me levantei, percebi que um senhor estava deitado na maca,
onde eu havia me escondido, e como ele que não se mexia, toquei, duas vezes, o
braço dele, que abriu os olhos.
-Está
tudo bem? _ Perguntei.
-Sim.
Eu só me fingi de morto, por causa desse doido.
Não
vou mentir que fiquei com vontade de abrir o jogo, mesmo sabendo que dedurar um
colega não era uma coisa correta. Tenho certeza de que não apenas eu, mas
também os demais, fariam a mesma coisa, pois o coronel Feitosa era o sadismo em
forma de gente. Entretanto, para a nossa surpresa, os dois deram um passo à
frente e confessaram tudo. Sumariamente,
foram punidos: passaram duas semanas sem sair do hospital e fazendo todo o serviço
de limpeza.
Papai
era macaco velho e sabendo que ninguém lhe contaria o que tinha acontecido
utilizou o método de sempre: escolher aleatoriamente um de nós para interrogar.
Ana Lúcia foi a escolhida e o velho, com o cinto na mão, perguntou:
-Me
diga: aconteceu alguma coisa?
Ela
olhou para todos nós e em seguida, observou papai segurando o cinturão e percebendo que não havia escapatória, encheu
os olhos de lágrima e contou, detalhadamente, a briga de Carlos e Pedro.
Depois de aplicar o corretivo nos dois, papai
disse:
-Todos
vocês estão de castigo, durante uma semana. Inclusive você. _ Referindo-se a
mim.
Justo
eu que não fiz nada!
Nenhum comentário:
Postar um comentário