-
Vavá, nós somos irmãos e por isso, não deve haver segredo entre nós. Principalmente
quando o assunto diz respeito a família. _ Falou Máximo.
-Onde é que você quer chegar?
-Antes de morrer, a nossa mãe te
falou alguma coisa sobre aquele dinheiro que o velho ganhou na loteria?
-Lá vem você de novo com essa
história!
- Contou ou não contou?
-Ela disse aquilo que você e eu já
sabemos: o velho ganhou uma bolada, foi ao banco pegar todo o dinheiro e
depois...
-Chegou em casa bêbado esculhambando
todo mundo e dizendo pra gente esquecer, porque ele não ia deixar nada para
ninguém. _ Interrompendo-o.
-Sim, foi isso.
-Só isso?
-
Qual é a tua, Máximo? Acha que eu estou escondendo o jogo? Se eu soubesse onde
estava esse bendito dinheiro, já tinha passado a mão e dado no pé, há muito
tempo.
...
Depois
de atender o interfone, a empregada falou:
-Tem
um homem chamado Ivo, lá embaixo.
-Você
disse Ivo?
-Sim,
esse é o nome dele.
-Mande-o
subir, por favor.
Ela
acatou a sua ordem e quando ouviu a campainha tocar, abriu a porta.
-Entre,
por favor. _ Disse a empregada.
Ele
fez o que ela pediu e ficou olhando os cômodos daquele apartamento. Ivo devia
ter, aproximadamente, uns sessenta anos e quando a empregada perguntar-lhe se
queria beber alguma coisa, ele respondeu.
-Não,
obrigado.
Ao
deparar-se com aquela pessoa, Ivo não se conteve:
-Então,
é verdade?
-
Deixe-nos a sós, por favor. Por hoje, você está dispensada. _ Falando para a
empregada.
Depois
que ela saiu, Ivo continuou:
-Você
me deve explicações.
-Nada
disso, quem me deve explicações é o senhor. Quem foi que te deu o meu endereço?
-O
Jurandir. Sabia que esse homem que você colocou para trabalhar na sua loja é um
ex-presidiário? Sabe o que foi que ele
fez? Cumpriu pena, por dez anos. Você sabia disso? O Jurandir é um criminoso.
-Não fale assim do meu irmão.
-Não
sei qual dos dois é pior: você ou ele?
-
O senhor não é melhor do que ninguém e sabe de uma coisa? Não imagina o grande
favor que me fez, quando me colocou para fora de casa. Se o Jurandir tivesse
tido a chance de se afastar do senhor...
-
Você fala assim como se eu fosse o culpado dele ter feito o que fez.
-E
não é verdade? Desde que ele nasceu, o
senhor o tratou a socos e a pontapés, como fazia comigo e com a mamãe, que Deus
a tenha! Ela aguentou tudo do senhor até o dia em que o flagrou agarrando, a
força, a sobrinha dela. Quantos anos tinha a menina? Uns quinze, dezesseis, por aí. Era sabido
que o senhor vivia de chamego com outras menininhas, mas com a sobrinha dela!
Aquilo foi o estopim para mamãe dar fim na própria vida, tomando veneno de
rato. Mas, para todos os efeitos, ela morreu do coração.
-Infarto fulminante.
-
Depois, o senhor se casou com a Isaura e o tratamento com ela não foi muito
diferente. Tenho absoluta certeza de que a “educação” que os seus outros dois
filhos receberam foi a mesma que o senhor deu para o Jurandir e para mim.
Apesar de ter tido pouco contato com eles, já conheço a fama desses dois. Por mais que intimide os outros, o senhor
nunca passou de um fraco. Pensa que eu me esqueci daquele dinheiro que o senhor
ganhou na loteria? Alguma vez, o senhor
teve coragem de contar essa história para alguém, seu Ivo? Eu me lembro como se
fosse hoje: a Isaura passou a sua melhor camisa e o senhor saiu de casa para pegar
a bolada. Ao sair do banco, foi para a zona com aquela dinheirama toda. Depois,
chegou em casa, bêbado, com a mão na frente e a outra atrás, pedindo para que o
Jurandir e eu não contarmos nada para ninguém.
-Foi
um desprazer ter te reencontrado.
-O
desprazer foi todo meu. Como te disse: o senhor me fez um grande favor, quando
me colocou para fora de casa. E agora, quero que me faça um outro favor:
esqueça, de uma vez por todas, que eu existo.
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