quinta-feira, 3 de março de 2016

Contos- Outros Tempos

Eric do Vale

Era uma tarde de sexta-feira e não me lembro bem como foi que tudo começou, mas nunca esqueci do que você disse:
- O Hector diz as coisas na lata.  Ontem mesmo...
De repente, você se calou e eu perguntei:
-O que foi que eu fiz, ontem?
-Deixa pra lá.
Não dei o braço a torcer e horas depois, te procurei dizendo:
-Sabe, fiquei muito curioso com o que você comentou, horas atrás. Quer dizer que eu falo tudo na lata? Por favor, me diga o que foi que aconteceu, ontem.
-A Sabrina, fresca do jeito que ela é, não quis te dar a mão, quando você a cumprimentou. Logo, a sua reação foi responder o seguinte: “Fique despreocupada, porque eu não tenho doença contagiosa.”. Se tivesse um buraco, ela teria enfiado a cara dela lá.
-E isso foi bom ou ruim?
-Eu, pessoalmente, gostei. Aliás, acho isso uma grande virtude.
-Por quê?
-Porque você, pelo menos, não finge ser o que é. Você, Hector, não é hipócrita. Mas, nem sempre devemos ser cem por cento verdadeiros.  Na maioria das vezes, ninguém gosta de escutar as verdades.
Desde que comecei a trabalhar naquela agência de publicidade, fui tratado como um intruso e tudo por causa da Leda. O Mike, por influência dela, me procurou e sem muitas delongas e disparou:
-Hector, você deve saber onde é o seu lugar, aqui na agência.
- Eu sei.
-Não, você não sabe.  Desde que começou a trabalhar aqui, você vem portando-se de uma maneira não muito apropriada para os padrões dessa firma, emitindo opiniões nas peças publicitárias.
-Sim, esse é o meu trabalho e pelo que fiquei sabendo, o Daryl gostou da minha iniciativa.
-É verdade, ele gostou muito. Porém, a Leda não ficou nada feliz com isso.
-Pelo que eu saiba, o Daryl é o dono dessa agência, portanto é ele quem dá a última palavra.
- Engano seu. Aqui, é a Leda quem dá as cartas.  Só para você ter ideia: o Daryl já teve dois sócios que foram afastados da agência, em virtude da perseguição direta dela. Um deles, inclusive, sofreu um AVC, por causa dessa perseguição. É assim que ela joga e quando se aborrece, joga pesado.
  Passaram-se alguns meses e o Mike veio até a minha mesa dizendo:
- Eu te disse: “Hector, faça o seu trabalho.”.  Você tinha que interferir na peça publicitária da Suzy!
-O que é que está havendo?
-O que está havendo? A Suzy fez a sua caveira para a Leda e o pior é que as duas são unha e carne. 
O mais surpreendente é que foi a própria Suzy quem pediu a minha ajuda e assim, eu fiz. Se não tomasse nenhuma iniciativa, seria tachado de preguiçoso. Confesso que, naquele momento, quase me deixei levar pela emoção e por pouco, não pedi as contas. Hoje, penso que seria a melhor coisa que eu deveria ter feito.   
A Leda apresentou uma campanha publicitária para os festejos de fim de ano e em seguida, falou:
- Estou aberta a sugestões e digo mais: a opinião de vocês é de suma importância para mim.
Depois que analisei tudo com calma, fiz as minhas considerações mostrando-lhe os pontos positivos e negativos daquela peça. Ela disse que gostou muito das minhas colocações e o Daryl, mais uma vez, estava de acordo com o que eu havia falado.
Encontrei o Mike no sanitário, que me falou:
-Eu te disse que quando a Leda se aborrece, termina jogando pesado. Esteja certo de que ela, de agora em diante, não vai te deixar em paz. 
Dito e feito: a partir daquele dia, ninguém, daquela agência, aprovou as minhas peças, além de não me chamarem para trabalhar em nenhuma campanha.
O Mike finalizou:
-Tudo aquilo que você disse, durante a reunião, mexeu com o brio dela. A verdade, muitas vezes, é dolorosa, por isso ninguém gosta de ouvi-la. Sobretudo, a Leda que tem um temperamento difícil e como se nada disso bastasse, ela não vai muito com sua cara, Hector.
Aquelas palavras fizeram-me recordar de tudo aquilo que você havia me dito, há sete anos atrás.


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