“Andei pisando pelas ruas do passado
Criando calo no meu pé caminhador”
(Cabelo No Pente: Alceu Valença& Vicente Barreto)
Eu me identifiquei, mas ela não se lembrava de mim e quis saber
de onde eu a conhecia. Falei do local que costumávamos frequentar e ela perguntou:
-Quem era você?
Descrevi as minhas características físicas e mesmo assim, ela
continuou não se lembrando da minha pessoa. Falei que tínhamos um amigo em
comum: Ubiratan.
-Eu conheço, a esposa dele era muito minha amiga. _ Disse
ela.
-E então, está lembrada de mim?
-Não.
Eu não sabia mais o que dizer. Minto, sabia sim. Contudo,
achava que não era a ocasião oportuna de lembrar daquilo. Pra quê? Já faz tanto
tempo, que, certamente, ela não iria se lembrar. E mesmo que recordasse, não
adiantaria de nada: eu, no momento, encontrava-me casado e ela também.
Naquela época, não passávamos de meros adolescentes. Eu a
conheci por intermédio do Ubiratan e esse, pelo que sabia, já a namorou, antes.
E como ela era solteira, resolvi investir. O Ubiratan já havia me advertido de
que ela era muito namoradeira e por isso, tinha que tomar muito cuidado para
não me iludir. Quem disse que lhe dei ouvidos? Vendo-a sozinha, caminhei em
direção dela e me declarei. Quando fui beijá-la, ela virou o rosto e disse que
não.
Voltamos a nos falar, alguns dias depois, e me desculpei
dizendo:
-Lamento pelo papelão que fiz.
-Desencana, você não fez nada de extraordinário. É que eu...
Mudei de assunto e dali em diante, ficamos bons amigos. Conversávamos todos os dias e era comum
andarmos de mãos dadas e trocarmos carícias como beijo no rosto e abraços. Mas,
um dia, não me lembro bem o que foi que houve e ela quando foi me beijar, mirou
bem na minha boca. Foi nesse exato momento que o Ubiratan apareceu e veio conversar
conosco. Logo depois que ele foi embora, ela falou:
-O Ubiratan deve ter pensado que eu fosse beijar a sua boca.
-Por que você diz isso?
-A maneira como ele estava olhando para nós dois.
Eu não falei nada e ela continuou:
-Não vejo problema nisso: com o meu último namorado, as
minhas amigas davam selinho nele e eu nem me importava.
Aquilo era uma indireta? Ora bolas, foi ela mesma quem não quis
nada comigo, portanto não dava para entender. Aquilo não me saiu da cabeça e quando nos
encontramos, conversamos um bocado até que não me contive e encostei os meus lábios
nos dela.
-Você! Eu não esperava. _ Disse ela meio sem jeito.
Ela continuava sem reação e então, sugeri darmos uma volta.
Paramos em um local um pouco afastado e resolvi beijar-lhe novamente e ela correspondeu.
Depois disso, nunca mais nos vimos e eu não sei dizer o porquê.
Depois do nosso reencontro, perguntei-lhe:
-Você não se lembrou mesmo de mim?
-Não.
Não fazia sentido relatar o que havia acontecido entre nós,
no passado. E ela falou:
- Em vez de ficarmos querendo se lembrar do passado, o que me
diz de iniciarmos a nossa amizade, nesse exato momento?
-Ótimo.
E assim, aconteceu.
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